Uma paz possível na Palestina?
Uma notícia publicada no prestigiado jornal inglês, The Guardian (1), revela conversações adiantadas nos bastidores da diplomacia norte-americana, apoiada pelos franceses e ingleses, sobre um iminente anúncio de um possível acordo de paz entre israelenses e palestinos. Dada a importância do tema, acho relevante comentar sobre isso esta semana.
Publicado 26/08/2009 19:44
Har Homa, Colônia Judaica em Jerusalém Oriental, parte árabe
A essência da informação
A notícia foi publicada no portal do Guardian, respeitável jornal londrino (www.guardian.co.uk) do dia 25 de agosto e vai assinado pelos jornalistas Ewen MacAskill, correspondente em Washington e por Julian Borger, do próprio portal noticioso. No Brasil, a Folha e outros jornalões ignoraram o tema, sendo noticiado apenas pelo Estadão (ver referência abaixo).
A notícia indica intensa movimentação de bastidores das diplomacias norte-americana, apoiadas pelos diplomatas franceses e ingleses. O coordenador desse processo é o ex-senador George Mitchell, negociador oficial para assuntos de Oriente Médio do presidente Barak Obama. Já falamos sobre ele em artigos anteriores. É muito respeitado. Ajudou no processo de paz na Irlanda e é filho de uma libanesa, falando o árabe fluentemente.
A essência da notícia é uma condicionante de uma possível paz e interrupção dos assentamentos judaicos na Palestina, Cisjordânia em troca de um endurecimento por parte dos EUA contra o Irã e seu projeto nuclear. Essa preocupação, diz o jornal, têm sido a dos israelenses desde a posse de Netanyahu, assim como a de alguns países árabes mais pró-americanos como a Arábia Saudita e o Egito.
Fala-se na ideia da aprovação no Conselho de Segurança das Nações Unidas de uma resolução que bloqueie ou restrinja as vendas de gás e petróleo iraniano para outros países. Se isso fosse aprovado, poderia dobrar, na opinião dos diplomatas, a espinha dorsal do regime iraniano, que tem sua economia altamente dependente do petróleo. Ocorre que tanto a China como a Rússia, aliados do Irã, dificilmente aceitariam uma resolução dessa natureza e poderiam vetá-la com seu poder derivado da Carta das Nações. Ao proclamarem-se contra e disserem simplesmente “não” à resolução, mesmo que ela tenha 13 ou até 14 votos pelo “sim”, ela seria derrotada e arquivada pura e simplesmente. É assim que funciona o CS.
Nos próximos dias o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, reunir-se-á com Mitchell em Londres, para discutir diretamente os detalhes da proposta que esta sendo posta na mesa de negociações. Há Três questões que não se sabe como ficarão e são vitais para os palestinos: fronteiras do futuro estado, volta dos refugiados e Jerusalém, ainda que apenas a parte oriental da cidade.
Se uma sinalização de acordo puder ser acertada, pensa-se em realizar uma ampla reunião com a presença do maior número de chefes de estado e/ou de governos árabes. Tal reunião, uma espécie de quase cúpula, poderia ocorrer na sede da ONU em Nova York, quando da realização da sua assembleia geral sem setembro, na qual tanto Obama como a maioria dos chefes de estado e/ou de governo costuma comparecer.
Havendo o acordo, fala-se que a maioria dos países árabes poderia passar a manter relações com Israel, desenvolver comércio bilateral etc. Os diplomatas ouvidos pela reportagem, todos na condição de anonimato, disseram que não veem esperanças de que tal acordo possa ser concluído antes de dois anos pelo menos, ou seja, no terceiro ano do governo de Obama.
Qualquer que venha a ser o desfecho, não deixa de ser positiva essa iniciativa e a administração Obama acaba por impor a sua autoridade de chefia de império, às concepções que vinham vigorando no governo passado. Pode ser pragmatismo tudo isso, mas a retórica de Obama segue no sentido da defesa da paz, ainda que sua prática seja de eficácia duvidosa.
Palestinos já pensam em seu Estado
O sonho do Estado da Palestina é muito antigo. E só não foi edificado pelas sucessivas ocupações que essa parte estratégica e de atração espiritual muito forte em boa parte do mundo, sempre esteve ocupada por uma das potências e dos impérios que controlou não somente aquela parte do mundo, mas boa parte da terra. Particularmente depois de 1947, os palestinos nunca puderam edificar o seu estado, como o fez Israel, pelas ocupações ora de países árabes, ora de Israel.
A proclamação do Estado palestino vem de 1988, quando também a OLP reconhece finalmente o Estado de Israel. Passaram-se 21 anos e nunca conseguiram colocar de pé esse tão sonhado estado nacional.
Agora uma série de movimentações no campo palestino, anunciadas pelo primeiro Ministro da ANP, Salam Fayyad, indicam a possibilidade da edificação desse estado. Não por acaso, o anúncio foi feito e o primeiro Ministro afirma que precisará de até dois anos para a implementação da proposta. O mesmo site do Guardian faz um Box dando conta de que vários colonos na Cisjordânia, habitada por mais de 200 mil judeus, em sua maioria ortodoxa, já começam a se preparar para mudar e vão exigir indenizações do Estado de Israel.
De minha parte, sempre fui uma pessoa otimista. No entanto, como venho dizendo há quase sete anos neste espaço, nada indica que um governo fascista queira sinceramente a paz justa e verdadeira na Palestina. Nem que possamos ter uma correlação de forças suficientes para desmantelar centenas de colônias e assentamentos judaicos na Cisjordânia. Mas, torcemos para que a paz seja assinada.
Entrevista na Rádio França
No último dia 6 de agosto, foi ao ar uma entrevista minha na Rádio França Internacional, uma espécie de BBC francesa, que é difundida em vários idiomas no mundo e trata de temas amplos. Nessa entrevista específica, comentei o Congresso do Partido Fatah na Palestina, maior partido laico de resistência à ocupação israelense.
Nossos leitores que tiverem interesse em ouvir a referida entrevista, editada, gravada e de duração de cinco minutos, podem clicar no endereço a seguir: http://www.sociologos.org.br/audios/audio1.mp3
Nota
(1) Leia no original no endereço http://www.guardian.co.uk/world/2009/aug/25/barack-obama-middle-east-peace ou em português no jornal Estadão