Usando interlocutores artificiais na educação

Como essas plataformas trabalham com a geração artificial de textos e de imagens, há uma tendência para achar que esse “psitacismo cibernético” pode funcionar como uma pitonisa que tudo sabe

Ilustração: cseabra/midjourney

Cada dia mais as chamadas “inteligências artificiais”, ou IA para os íntimos, estão na boca do povo. Mesmo sem saber direito o que rola, alguns se apavoram, outros se extasiam e outros tentam aprender e discutir os impactos em várias áreas da atividade humana.

Há um nítido exagero no uso do termo “inteligência” para se referir às variadas plataformas de software existentes em intenso desenvolvimento. Há muita inteligência envolvida, obviamente, porém é a inteligência humana que está a gerar resultados impressionantes, que precisamos acompanhar e estudar formas de regulação e controles sociais.

Além de todos os impactos no poder, nas formas de produção, na geração e acúmulo de riquezas, na exploração do trabalho e na substituição de cérebro-de-obra, é importante pensar nos usos de aumento da produtividade pessoal e nas possibilidades nos processos de aprendizagem, seja nas escolas, nas empresas, nos sindicatos e associações.

Como essas plataformas trabalham com a geração artificial de textos e de imagens, há uma tendência para achar que esse “psitacismo cibernético” pode funcionar como uma pitonisa que tudo sabe. No entanto, tais programas são sobejamente conhecidos pelas “alucinações” que produzem, mesclando de forma plausível e realista informações válidas com dados absolutamente inventados.

Isso torna-as, porém, interessantes alternativas para uso como “interlocutores artificiais” para análise e sistematização de textos, para identificação de padrões em conjuntos de dados e como auxílio de leitura crítica de trabalhos.

Imaginemos, por exemplo, pegar uma área que o Brasil está péssimo no PISA, programa internacional de avaliação de estudantes, que é a Matemática (ficamos em 67º lugar na avaliação mais recente!), e criar um chatbot conversacional que leve o aprendente a raciocinar por caminhos diferentes na resolução de problemas matemáticos. Imaginemos um contador de histórias automático que proponha problemas lógicos e analise as respostas, que interaja criticamente com os raciocínios do humano.

Isso permite sair do automatismo psitacista e entrar em caminhos de apoio ao pensamento crítico, numa formação de habilidades e competências que tenha conexões explícitas com a BNCC (importante para ter a pegada de entrada nas entidades educacionais, públicas e privadas).

Uma possibilidade com esse interlocutor artificial é o estudante ter que desenvolver a habilidade de verbalizar seu pensamento matemático, explicar e descrever seus raciocínios na forma de texto, fazendo assim com que o próprio indivíduo perceba seu raciocínio de forma clara.

Além da Matemática, outras duas áreas do PISA onde também estamos muito mal são Ciências e Língua Portuguesa. Áreas em que os usos de inteligências artificiais possibilitam e exigem a pesquisa nos resultados obtidos, a busca de referências e fontes confiáveis para as informações geradas, a checagem e adequação dos trabalhos assim produzidos, numa parceria similar à de um Sherlock Holmes e Watson ou quiçá Dom Quixote e Sancho Pança.

Sua utilização como um “cachorro-papagaio” artificial, treinado como um cão adestrável e interativo como uma ave falante, serve de interlocutor até para mostrar coisas que o usuário não queira. Podemos mandar um texto para a IA e solicitar dez alternativas de títulos, podendo perante o conjunto de alternativas escolher alguma ou eliminar essas hipóteses e pensar em outros caminhos. E mandar que sejam apontados erros de digitação ou outras sugestões de estilo, bem como pontos de menor clareza ou com incoerência, tarefas que esse tipo de assistente será bastante útil.

Mas se o usuário tem competências mínimas no escrever, é recomendável não pedir que o software reescreva o texto, pois em geral ele o faz da forma mais evidente possível, abusando de lugares comuns. Ao invés disso, solicite que ele aponte sugestões (que você não irá seguir na maioria dos casos, mas que o levarão a eventuais reconsiderações e reelaborações).

Alguns exemplos desse tipo de utilização destas tecnologias:

  • Facilitação de debates – Utilização de chatbots em plataformas online de debates, para promover discussões construtivas entre membros de comunidades escolares, sindicatos ou partidos políticos. Esses interlocutores artificiais podem ajudar a manter o foco nos tópicos relevantes, evitar ofensas e facilitar a participação equitativa, contribuindo para ambientes virtuais mais produtivos e inclusivos.
  • Orientação em movimentos sociais – Implementação de assistentes virtuais em sindicatos, partidos políticos ou organizações sociais, com informações de suporte na orientação ideológica. Esse interlocutor artificial deve ser personalizado para atender às necessidades específicas do grupo, fortalecendo a coesão e a compreensão dentro das organizações.
  • Educação crítica – Desenvolvimento de chatbots educacionais que atuem como interlocutores para promover discussões críticas em sala de aula, podendo facilitar debates sobre questões sociais, políticas, culturais, incentivando os alunos a explorar diferentes perspectivas e aprimorar habilidades de pensamento crítico.
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