Velho Mestre Out

A reflexão de um veterano da inovação no confronto com a evolução tecnológica e as novas demandas educacionais

Imagem criada com AI

Sala cheia. Jovens executivos em busca de conhecimentos. Sábado de manhã. Um esforço para subir nas carreiras. Interessados, mas estressados de uma semana árdua.

Sou aposentado há quase dez anos. Sempre que há uma nova turma me chamam. Pedem para que dê uma palestra. Demorada de quatro horas ou mais. Sobre a disciplina que estruturei e ministrei por quase trinta anos. Gestão da Inovação.

Cria-se a expectativa. O mundo se move com a inovação. A Inteligência Artificial e o ChatGPT fazem o momento. Tudo se acredita que gravita em torno disso.

Começo a fala. Informo nada saber sobre o assunto esperado. Frustração geral. Não é a minha praia. Falarei sobre a teoria. Schumpeter, Freeman e Chesbrough ainda são meus referenciais. Procuro me atualizar, mas dentro desses parâmetros. Sem ousar dar grandes inserções nas novas áreas do conhecimento. Algo diferente do desejado.

A ligação de Inovação com marketing, fake news, design thinking, entre outros, sou pouco afeto. Sei que hoje muito gravita por esses campos e não podem ser ignorados. Mesmo as notícias falsas fazem parte de um mundo financeirizado e altamente vulnerável a boatos, os mais estapafúrdios possíveis, que a dinâmica pode tornar reais.

Para mim é difícil entender, muito mais falar sobre isso. Continuo centrado em competitividade sistêmica, produtividade e eficiências. Parece estar ultrapassado, mas é o que conheço e ainda acredito.

Meia hora de fala e as caras demonstram o desinteresse. Continuo, por ossos do ofício, sem muita empolgação. O tema é árido para quem procura se inserir num mundo com parâmetros muito diferentes do que fui criado. Tento citar alguns fatos atuais, mas é arroz de festa, todos já conhecem.

Ainda uso mesa, quadro e power point. Não sei como gamificar os problemas, não sei como usar Beautiful.ai para apresentações ou Jasper para marketing. A linguagem corriqueira do alunato, daqueles que procuram esses cursos de Mestrado, foge às minhas mínimas competências.

Começo a questionar o que é Engenharia no mundo atual. Passa pelo mundo real ou devemos nos centrar apenas no virtual? A produção em si tem alguma validade ou é mero assessório para o imaginário, o mágico que fascina.

Lembrei do meu professor Vita na Politécnica. Dizia que Engenharia é resolver problemas, viabilizar soluções que a evolução do conhecimento humano possibilita, mas que precisam ser adequadas para sua efetivação prática. Parece que o conceito mudou recentemente.

Um aluno muito querido me convida para fazer parte de sua Banca. Apresenta o problema e a solução engendrada. Fico animado com a simplicidade e objetividade. Meses depois recebo o trabalho escrito. Vejo um modelo multicritério, muito sofisticado, com muitas variáveis e uma série de suposições e limitações que podem ser questionadas.

Pergunto o porquê disso. O discente explica que só assim conseguiu convencer a diretoria, eu digo seu orientador também, que poderia ser implantado e serviria como um trabalho acadêmico. Comecei a entender o espírito da coisa.

Acho que devo mudar minha postura, caso ainda queira dar essas aulas ou participar dessas bancas.

Não só me atualizar com a parafernália de instrumentos apresentados, mas fazer uma cara séria em que o é, deve ser substituído pelo será?, o com certeza, pelo talvez ou pode ser. Nada mais deve ser afirmado sem uma dúvida quando o longo prazo se aproxima de menos de um ano. E aí, especular o que parece improvável, mas se tornará real em breve.

Trinta anos de Carnaval, saí num bloco que já sabia das coisas. Seu hino dizia:

“Você diz que é cachaça, eu digo que é cerveja;
Sabor de morango, você diz que é framboesa;
Pode ser, talvez não seja.”

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