Vendo o Senado – Brasileiros (comunistas inclusive) contra japoneses

O Senado só volta a deliberar em julho, mas a semana que passou foi cheia. E as comemorações do centenário da imigração japonesa servem também para lembrar que nem tudo foram flores para os súditos do Trono do Crisântemo no nosso país – e até os

CSS, só depois das eleições


Os líderes do governo, Romero Jucá, do PSDB, Arthur Virgilio, e do DEM, José Agripino, acertram para depois das eleições municipais a votação, nesta Casa, de substitutivo a projeto de lei complementar, em deliberação na Câmara, que cria a Contribuição Social para a Saúde (CSS). Arthur Virgílio se fez de desentendido: “O que é que tem eleição a ver com a Saúde? Literalmente, nada. Concluí que o governo deu a mão à palmatória e que essa proposta deve ser sepultada”. Romero Jucá (PMDB-RR) desconversou: “A oposição está muito interessada em votar logo o projeto, quando ao governo interessa até saber se essa contribuição é compatível com a reforma tributária, em estudo no Congresso”.


É dinheiro no bolso o que interessa


Líderes do DEM e PSDB admitem: Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) está sendo um instrumento ineficaz para a oposição. O presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), confessa: “Essa estratégia de uma CPI para apurar qualquer denúncia não se aplica mais nos dias de hoje. O brasileiro espera um resultado prático no bolso, no dia-a-dia”. O líder do DEM, José Agripino (RN), admite: “Já conversamos sobre o assunto informalmente e há uma preocupação geral com a instalação de uma CPI. Existe uma pressão muito forte nos Estados para que os senadores e deputados subam nos palanques”. O líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), vai na mesma linha: “Já acertei com meus correligionários e vou entrar de cabeça nas eleições. É natural esse movimento nesta época”. O tucano paranaense Álvaro Dias, diz que desânimo foi motivado pela CPI dos Cartões Corporativos, que chegou ao fim no início do mês sem pedir indiciamento de ninguém por não constatar crimes. “Acredito que este instrumento político perdeu força, mas não compactuo com isso”, lamenta.


CPI não é só instrumento da oposição


Já os integrantes da CPI da Pedofilia aprovaram, dia 17, a sugestão de projeto de lei que define o crime de pedofilia , criminaliza outras condutas envolvendo crianças e adolescentes e atualiza penas para crimes já previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A intenção é intensificar o combate à produção, à venda e à distribuição de pornografia infantil e criminalizar a aquisição e a posse de material pedófilo por meio da Internet. Foi aprovada a urgência para a tramitação da proposição no Senado.
“Estamos tentando tapar o buraco que existe na nossa legislação, e isso vai fazer a punição muito mais efetiva”explicou o relator da CPI, Demóstenes Torres (DEM-GO). “Com o trabalho dos Ministérios Públicos Federal e estaduais, da CPI, dos assessores, criamos e tipificamos, criminalizamos definitivamente todo tipo de atitude que possa colocar a criança em situação de risco ou em situação de sexo ainda em sua tenra idade”, avaliou, positivamente, o presidente da CPI, Magno Malta (PR-ES).


Precatórios podem ter novas regras


A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou, dia 18, novas regras para pagamento de precatórios – dívidas judiciais da administração pública que, reunidos Estados e municípios, somam R$ 100 bilhões. Os devedores ficam obrigados a reservar parte da receita corrente líquida para pagar precatórios. Estados e Distrito Federal vincularão de 0,6% a 2% da receita, e os municípios, de 0,6% a 1,5%. Quem aderir às novas regras não estará mais sujeito ao seqüestro das receitas. O presidente do Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares (Madeca), Ricardo Ferreira, considerou que “as mudanças favorecem governadores e prefeitos, que têm força política, mas não os credores”. Em São Paulo, por exemplo, o atraso na liquidação de precatórios alimentícios acumula dez anos e dívida estimada de R$ 9 bilhões. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, acha o texto ruim, mas admite que melhorou.A decisão da CCJ depende de votação em dois turnos no plenário antes de ir à Câmara.



Dois lados da mesma moeda


As declarações dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos, Barack Obama (Partido Democrata) e Jonh McCain (Partido Republicano) ao Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil, sobre as relações com o Brasil e a situação do etanol produzido por aqui repercutiram no Congresso. Os dois candidatos a comandar o imperialismo norte-americano não pretendem nenhuma grande mudança para o tratamento ao Brasil. A vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Perpétua Almeida (PCdoB-AC), expressou estranhesa: ''Será que os discursos não estão invertidos? O Obama até então se mostra um democrata menos protecionista, defendendo políticas sociais voltadas às classes de baixa renda, então deveria estar mais preocupado com a flexibilização dos subsídios agrícolas até para permitir que produtores de outros países possam ganhar espaço nos EUA e motivar a redução dos preços dos alimentos''. O presidente da comissão de Relações Exteriores no Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), ateve-se à dureza dos fatos: ''Doce ilusão acreditar que o Brasil estará em melhor situação com este ou aquele candidato, deste ou daquele partido, vitorioso nas eleições norte-americanas. O Brasil não pode e não vai viver de boa vontade. Nos últimos 20, 30 anos, nenhum presidente norte-americano estabeleceu um diálogo mais estreito com o Brasil. Não acho que este seja o momento para reverter isso''. Sobre McCain, o piauiense questionou: ''É a sombra do Bush. O que pode nos oferecer?''. Sobre Obama, poria as barbas de molho, se as tivesse: ''Tenho medo de que cause alguma frustração. São muitas promessas''.


Sem votação até julho


Depois de quase dois meses votando medidas provisórias e a indicação pelo governo de embaixadores e autoridades e realizando cerca de três sessões comemorativas por semana, o Senado vai suspender as votações, que só serão retomadas dia 1º de julho. Os motivos são dois: as convenções partidárias para as eleições municipais de outubro e os festejos em comemoração ao São João no Nordeste. O presidente Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) explicou: “Os líderes concluíram que teríamos dificuldade de quórum na próxima semana e assim resolvemos fazer com que, só do dia 1º de julho em diante, tenhamos sessões deliberativas”. A maioria das convenções vai se realizar nos dias 27, 28, 29 e 30.



Congresso aprova R$ 7,5 bi para reajuste


O Congresso Nacional aprovou, dia 19, a abertura de crédito suplementar em favor do Ministério do Planejamento, de R$ 7,56 bilhões, para o reajuste dos salários de 800 mil servidores civis e militares federais. ''Esse é um acordo que já estava costurado desde o ano passado. Os servidores precisam de aumento também'', justificou a líder do governo no Congresso, senadora Roseana Sarney (PMDB-MA). Os tucanos justificaram o voto favorável porque o governo não propôs o aumento através de Medida Provisória. Do total de créditos, R$ 4,2 bilhões serão destinados ao aumento dos soldos dos militares das Forças Armadas, ativos, da reserva, além dos pensionistas. Outros R$ 3,36 bilhões serão destinados à reestruturação das tabelas salariais do pessoal civil do Executivo, das carreiras de auditoria, da área jurídica, do Banco Central, da Previdência Social, da perícia médica e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), além de servidores do Ministério da Ciência e Tecnologia, entre outros. O governo justificou a suplementação pela necessidade de dar continuidade à política de melhoria salarial e atrair profissionais de alto nível de qualificação nos cargos oferecidos pelo governo. Os recursos são oriundos de superávit financeiro.


Brasileiros -e comunistas- contra japoneses


O príncipe Naruhito, herdeiro do Trono do Crisântemo do Japão, visitou o Congresso, dia 18, em programação das comemorações dos 100 anos da chegada do navio Kasato Maru em Santos (SP), que trouxe 781 japoneses atraídos pelo trabalho nos cafezais de São Paulo e dando início à imigração japonesa. Nestes dias, multiplicam-se as homenagens e reconhecimento pela participação japonesa na construção do Brasil e na formação de nosso povo. Mas nem sempre foi assim. Houve mesmo um triste episódio, na Constituinte de 1947, em que até a bancada do Partido Comunista pisou em falso.
Quando o Japão se rendeu às forças aliadas, pondo fim à Segunda Guerra, em 1945, no Brasil seguidores do imperador Hiroíto, recusaram-se a aceitar a realidade da derrota e fundaram uma organização terrorista, secreta, a Shindo Renmei (Liga do Caminho dos Súditos), que passou a realizar atentados contra os compatriotas e descendentes que acreditassem na derrota do Japão. Foram assassinados 23 imigrantes e 150 nipos e nipo-descendentes ficaram feridos entre janeiro de 1946 e fevereiro de 1947.
Esses acontecimentos repercutiram tragicamente nos trabalhos da Constituinte de 1947. O deputado Miguel Couto Filho (PSD-RJ) denunciou que “os japoneses ricos de São Paulo, inspirados pelo divino Hiroíto, pretendem ainda criar um novo Japão no Brasil”. Ganhou o apoio dos comunistas Jorge Amado e José Maria Crispim. Outro integrante da bancada do PC, Carlos Marighela, deplorou que o interventor de São Paulo, Macedo Soares, fazia concessões “aos fascistas da Shindo Renmei, enquanto seu secretário de Segurança persegue trabalhadores em Santos”. O constituinte amazonense, Pereira da Silva, propôs a expulsão imediata de todos os japoneses ligados à organização terrorista. João Amazonas, que nos anos 60 reorganizaria o PC em bases marxistas mais sólidas, ridicularizou a proposta dizendo que ela deveria ser encabeçada pelo nome de Macedo Soares. Mas enquanto os comunistas “abrasileiravam” o debate, tomava vulto o sentimento anti-nipônico na constituinte e na sociedade. Miguel Couto Filho propôs uma emenda curta e grossa, a 3.165: “É proibida a entrada no país de imigrantes japoneses de qualquer idade e de qualquer procedência”.
Já no Manifesto do Partido Comunista, um século antes, Marx e Engels escreveram que os comunistas defendiam dois pontos diferenciais com outros partidos operários: ”1. Nas diferentes lutas nacionais dos proletários, destacam e fazem valer os interesses independentes da nacionalidade e comuns a todo o proletariado; 2. Nas diferentes fases por que passa a luta entre proletários e burgueses, representam sempre os interesses do movimento no seu conjunto”. Porém as vicissitudes das lutas cotidianas, as pressões de cada momento, os interesses imediatos por vezes fazem com que tais preceitos, erroneamente, não sejam seguidos. O principal dirigente comunista e líder da bancada na Constituinte de 47, Luiz Carlos Prestes, fechou questão, em nome do Partido: “Do ponto de vista político, é indispensável, nos dias de hoje, proibir a entrada de imigrantes japoneses no Brasil”. Partiu da União Democrática Nacional (UDN) uma voz em defesa dos nipônicos, pensando em interesses econômicos. O paulista Aureliano Leite argumento: “Desaparecido o perigo dos imperialismos japonês, italiano e alemão, não há mais razões para restrições à imigração. É indiscutível que o Brasil precisa de braços”.
No dia 27 de agosto a questão foi a voto, numa sessão tensa. Aureliano Leite repetiu que considerava a emenda “inconstitucional, iníqua e odiosa. É um absurdo uma Constituição consagrar um princípio dessa ordem”. Prestes retrucou que em 1936, 37 e 38 “entraram 28, 29 e 30 mil japoneses em nossa pátria. Nos Estados Unidos, quando o número dessa imigração chegou a 40 mil, o governo tomou medidas para que tal concentração não continuasse. É indispensável, portanto, proibir a entrada de imigrantes japoneses no Brasil”.
A votação mostrou a dramaticidade do momento. O presidente da Constituinte, Melo Viana, apresentou o resultado: “Votaram a favor 99 senhores representantes e, contra, 99.” Cabia a ele o desempate: “Voto contra a emenda. Está rejeitada.”
Os japoneses continuaram a vir e contribuir para a construção do Brasil. Sob o comando dos ex-constituintes João Amazonas e Maurício Grabois, na selva amazônica, a nissei paulista Suely Yumiko Kanayama, que usava os codinomes ''Cabloca'', ''Chica'', ''Vera'', ''Tuca'', chegou à região do Araguaia em fins de 1971, para empunhar armas contra a ditadura militar. Três anos depois, cercada por uma tropa do Exército, recusou-se à rendição, sendo metralhada. Seu corpo foi perfurado por mais de 100 balas de grosso calibre. Morreu aos 25 anos.  Pertencia ao Destacamento B da guerrilha e morava na região de Gameleira. Agora dá nome à antiga Rua 6, no Residencial Cosmo, em Campinas. Sua mãe, Emi, anos depois, quando soube do destino da filha, desabafou que ''estava aliviada e contente por saber que ela tinha morrido feliz, pelo que sempre acreditou''.
Atualmente, cerca de 1,5 milhão de japoneses e descendentes vivem no Brasil e 300 mil brasileiros, a maioria descendente de imigrantes (os dekasseguis), emigraram para o Japão.
A história dos fanáticos seguidores de Hiroíto é contada no livro Corações sujos, de Fernando Moraes (Companhia das Letras, 2000).
Banzai!

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