Venezuela está à frente do Brasil

No artigo intitulado “Análise comparativa do PL 4529/2004 do Brasil e da Ley Nacional de Juventud da Venezuela” Augusto Vasconcelos disseca as diferenças e simetrias na regulamentação de políticas públicas para a juventude (PPJs) entre os dois países. Seg

“Análise comparativa do PL 4529/2004 do Brasil e da Ley Nacional de Juventud da Venezuela”

A despeito das diferenças na conformação política e cultural, Venezuela e Brasil guardam uma série de semelhanças no que tange à consolidação de um marco legal das políticas públicas de juventude. No Brasil, três iniciativas são consideradas como marco fundante de uma política nacional para a juventude: a Proposta de Emenda à Constituição 138/03; o Projeto de Lei 4529/2004; o Projeto de Lei 4530/2004. Neste capítulo nos deteremos na análise do PL 4529/2004, que institui o Estatuto da Juventude comparando-o com a similar legislação venezuelana.

PPJs na Venezuela é lei, no Brasil projeto tramita

A lei venezuelana foi sancionada em 14 de março de 2002 enquanto que o Projeto de lei brasileiro continua tramitando na Câmara dos Deputados. Portanto, verifica-se uma dificuldade inicial em analisar dois instrumentos legais em fases distintas, um já em vigor e o outro ainda em debate.

Uma grande dificuldade em construir legislações voltadas à juventude é a ausência de consensos no que tange aos limites de idade que, em se tratando de normas, devem exprimir critérios objetivos com o fito de construir parâmetros de avaliação e permitir o controle da política pública. Todavia, por conta da peculiaridade dessa categoria social, qualquer faixa de idade incorrerá em dificuldades por conta da necessidade de se aprofundar melhor as discussões quanto à condição juvenil. De antemão, verificamos uma distinção no público alvo da lei venezuelana (jovens de 18 a 28 anos) e do PL 4529/2004 ( 15 a 29 anos). Ressalte-se que no Brasil a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90) poderia suscitar uma superposição de diplomas legais.

Entretanto, conforme disposto no Art. 1º do PL 4529/2004, bem como na justificativa do projeto, não trata-se de revogação de uma lei pela outra, mas de suplementação de direitos para os adolescentes-jovens que encontram-se no ponto de intersecção, ou seja, aqueles entre 15 e 18 anos. A classificação etária, no entanto, serve apenas como um parâmetro social para o reconhecimento político da fase juvenil, conforme explicita documento do Conselho Nacional de Juventude intitulado “Política Nacional de Juventude: Diretrizes e Perspectivas” (2006, p. 5).

Artigo 1º e 2º da lei Venezuelana: jovens são atores estratégicos para o desenvolvimento nacional

Percebe-se no tratamento dispensado nos Artigos 1º e 2º da lei venezuelana um certo destaque para a idéia de vida adulta produtiva, devendo o Estado assegurar os meios necessários para garantir o trânsito de uma fase a outra da vida. Tal compreensão pode dar margem a um entendimento corrente de que não caberia tratar do jovem como ator do presente, mas as políticas deveriam sempre levar em conta uma certa moratória, como se os investimentos realizados hoje só pudessem dar resultado no futuro. Se por um lado é correta a preocupação com a transição para a “vida adulta”, tendo em mente o incremento da capacidade produtiva, por outro é perigoso apostar apenas nesse aspecto sem levar em conta que, a despeito das peculiaridades, os jovens podem ser bastante produtivos na consolidação do desenvolvimento nacional na atualidade. Dessa forma é que no Art. 4º da lei venezuelana há a previsão de que todos os jovens e as jovens são atores estratégicos do desenvolvimento nacional.

Ao mesmo tempo, no Art. 3º da lei venezuelana há uma preocupação com a ressocialização dos jovens em cumprimento de pena, enquanto que no PL 4529/2004 sequer há menção a este segmento, apesar de outras leis brasileiras já abordarem esta preocupação universal que independe da faixa etária, mas que ganha relevo ao se tratar de crianças e adolescentes através das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

A preocupação com o direito à participação como fator crucial está presente em ambos diplomas legais. No Art. 3º do PL 4529/2004 em seu inciso II é previsto que a família, a comunidade, a sociedade e o Poder Público estão obrigados a assegurar aos jovens a efetivação do direito à cidadania e à participação social e política. Ademais, para efetivação do rol de direitos previsto no caput do Art. 3º está contida a obrigação da participação na formulação, na proposição e na avaliação de políticas sociais públicas específicas. Ao abordar os direitos fundamentais em seu capítulo II, o direito à cidadania e à participação social e política ganha “status” de grande relevância, inclusive obrigando o Estado e a sociedade a estimularem o protagonismo juvenil.

Na mesma linha, a lei venezuelana co-obriga todos os membros da sociedade, de maneira solidária, a gerar oportunidades de participação dos jovens na tomada de decisões que envolvam interesse coletivo, bem como de promover sua incorporação e inserção nos diferentes processos sociais, inclusive apoiando as diferentes formas de associativismo juvenil (Art. 6º). Com efeito, o Art. 8º responsabiliza o Estado, a sociedade e a família no provimento dos meios, recursos e condições necessárias para garantir a plena incorporação da juventude na tomada de decisões da vida pública, dos assuntos de Estado e daqueles de interesse da comunidade.

A Convenção Ibero-Americana de Direitos da Juventude, corolária desse entendimento, já prevê em seu Art. 21 que os jovens tem direito à participação política, sendo que os Estados-parte comprometem-se a impulsionar e fortalecer processos sociais que tornem efetiva a participação dos jovens na formulação de políticas e leis referentes à juventude, bem como através das organizações juvenis.

Sistema Nacional de Juventude versus Secretaria Nacional de Juventude

Para fazer escoar o conjunto dessas demandas, bem como para implementar e tornar eficaz uma política nacional de juventude, foi criado o Sistema Nacional da Juventude na Venezuela. O Sistema é o mecanismo institucional articulado e constituído pelo conjunto de órgãos relacionados à gestão das políticas de juventude com objetivo de assegurar coerência e um direcionamento dessas políticas a nível nacional, regional, municipal e paroquial, com vistas à proteção integral dos direitos, deveres e garantias dos jovens.

Na Venezuela, esse Sistema é composto pelo Instituto Nacional da Juventude, o Conselho Interinstitucional da Juventude e o Conselho Nacional da Juventude, além das diversas instituições públicas que se articulam para a formulação e desenvolvimento de políticas para a juventude em função de trabalhar pela sua qualidade de vida, pelo impulsionamento do protagonismo juvenil e sua integração ao processo de desenvolvimento nacional.

No âmbito da Administração Pública, o Instituto Nacional da Juventude possui personalidade jurídica e patrimônio próprio, a despeito de estar subordinado ao Ministério da Educação, Cultura e Esportes. Com sede em Caracas, o Instituto tem a responsabilidade de coordenar, formular, programar, compatibilizar e avaliar as políticas para a juventude, cuja direção ficará a cargo de uma junta composta por um presidente e mais quatro membros, além de seus suplentes que serão livremente nomeados ou exonerados pelo Ministro da Educação, Cultura e Esportes. As atribuições do Presidente e da Junta Diretiva estão estipuladas nos Arts. 51 e 53 da lei venezuelana.

No Brasil, apesar de ainda não aprovado o Estatuto da Juventude, desde 2005 já estão em funcionamento a Secretaria Nacional da Juventude, órgão subordinado à Secretaria-Geral da Presidência da República que possui natureza similar ao Instituto da Venezuela, a despeito de não ser dotada de personalidade jurídica autônoma. No PL 4529/2004 propõe-se a criação da Secretaria Especial de Políticas de Juventude, o que daria “status” de Ministério a esse espaço institucional.

Com vistas a servir de órgão consultivo e de assessoramento do Instituto Nacional da Juventude para cumprir funções de harmonização com os poderes públicos, com o Conselho Nacional da Juventude e com instituições privadas, foi criada pela lei venezuelana o Conselho Interinstitucional da Juventude. Sua composição tem a presença de três representantes do Conselho Nacional da Juventude, um representante do Poder Legislativo, Conselho Federal de Governo, Poder Judiciário, Fiscalização Geral da República, Defensoria do Povo, Secretaria da Presidência, Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Defesa, Ministério do Planejamento e Desenvolvimento, Ministério da Saúde e Desenvolvimento Social, Ministério da Educação, Cultura e Esportes, Ministério do Interior, Ministério da Justiça, Ministério do Trabalho, Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais, Ministério da Produção e do Comércio, Instituto Nacional da Cooperação Educativa, além de um representante dos trabalhadores e um representante do Conselho Nacional do Índio. Portanto, percebe-se uma ampla predominância do setor público na composição deste Conselho, o que se diferencia bastante da composição do Conselho Nacional da Juventude no Brasil, criado pela Lei 11129/2005 e regulamentado pelo Decreto Presidencial 5490/2005, cuja presença da sociedade ocupa 2/3 das cadeiras.

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