Via-crúcis severina

O Severino chegou a São Paulo. Mal podia controlar sua ansiedade. Um enxame de gente. Sentiu vontade de urinar. Viu o cartaz da rodoviária: "sanitários – masculino". Entrou. Urinou. Dirigiu-se ao lavatório. Olhou-se no espelho: estava abatido! Também pudera; três dias e três noites viajando! O dinheiro era pouco, difícil se alimentar bem. Saudade de um sururu de capote e pirão, carregado na pimenta malagueta. Severino sorriu. Ensaboou-se cabeça, rosto e braços. Mochila nas costas atrapalhava. Livrou-se dela, colocando-a no piso do sanitário. Voltou ao lavatório, ensaboou-se novamente. Enxaguou-se. Que delícia; agora estava refrescado. Olhou de lado, procurando algo para enxugar-se. Viu o zelador do sanitário dormitando numa cadeira, ao lado de uma mesa com papel toalha recortado, além de um pires com notas de um e dois reais, além de algumas moedas de cinqüenta centavos. Perguntou ao zelador se tinha que pagar. O zelador lhe disse que o papel era ele que comprava e precisaria receber algo, senão teria prejuízo!

Severino concordou com o pobre zelador: tirou a camisa e enxugou-se nela. Após, conferiu no bolso da calça. R$ 10,00; era tudo que tinha! Olhou-se mais uma vez ao espelho. Aprumou-se. Agora vou encontrar o primo Raimundo lá no Capão Redondo. Estava tudo anotadinho no papel de carta do primo, endereço, mapa, linha de ônibus; tudo. E tudo isso dentro do envelope, no bolso da calça.

Foi buscar a mochila: – cadê ela?

Perguntou ao zelador. Ele disse que nada havia visto. Severino olhava desconfiado para todos que entravam e saíam do sanitário. Todos eram suspeitos. Saiu à rua. Lamentava que a tia Maria, mãe do primo Raimundo, houvesse lhe confiado uma garrafa de manteiga de leite de cabra, que havia trazido para o Raimundo matar as saudades. Tal garrafa rendeu-lhe muito custo e cuidados, para que não se quebrasse. E o ladrão a havia levado com a mochila. Atravessou a praça defronte à Rodoviária. Parou para se situar: uma placa dizia "Pare"; outra dizia "Atenção"; outra "é proibido estacionar", outra "pedestre somente na faixa"; outra "vire à esquerda", outra contrapunha "vire à direita"!

-Viche; quantas ordens!

Parecia estar num quartel! Foi atravessar a rua, um motoboy quase o atropela e ainda teve que ouvir um palavrão falando mal da "mainha"! Alguém o puxou energicamente pelo braço: era um militar que ordenava em altos brados, que atravessasse pela faixa.

-Que faixa? De quê está falando?

O militar o conduziu até a faixa e o largou.

Severino foi atravessar na faixa, conforme lhe ordenara o militar; o farol de pedestre mostrava um boneco vermelho.

Ouviu-se um baque. Tudo se silenciou.

– O primo Raimundo, do Capão Redondo, nunca o veria de novo!!!

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor