Vitória da frente ampla

Sem a frente, mantido no claustro do seu nicho tradicional, Lula também ficaria para trás

A vitória de Lula foi, sobretudo, a vitória de uma solução política de tática eleitoral, ou seja, a frente ampla. Solução que, diga-se, sofreu acerba oposição, a começar pelo próprio Lula, que saiu da prisão bastante radicalizado. Luminares do PT chegaram a produzir abaixo assinado contra a proposta da frente ampla, particularmente em relação a indicação de Geraldo Alckmin para vice. Filósofos que apreciam realizar análises políticas e outras personalidades proclamaram sua oposição à amplitude. Alegavam que, com ela, a esquerda perderia sua identidade.

Não pretendo minimizar o papel de Lula, personagem de extraordinária dimensão popular e histórica, que há décadas personifica o grito do povo brasileiro por democracia, igualdade social e soberania. Sem Lula, a frente ampla não assumiria a dimensão que assumiu e certamente seria derrotada. Mas sem a frente, mantido no claustro do seu nicho tradicional, Lula também ficaria para trás. Pode-se, portanto, dizer que existiu uma simbiose entre o candidato e a frente, cada um dependendo do outro.

O PCdoB, reconheça-se, foi pioneiro na defesa bem fundamentada da solução frentista e, mais tarde, o próprio Lula reconheceu que, para derrotar Bolsonaro, era indispensável reunir o maior número de segmentos da sociedade brasileira, por mais díspares que fossem. Aos poucos, a ideia foi se impondo. E Lula e os partidos que compõe a federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB, PV) afinal conseguiram compor um amplo e forte movimento nacional de natureza essencialmente democrática, capaz de enfrentar Bolsonaro e o bolsonarismo e conduzir Lula – ainda que por pequena margem, como ocorreu – a um terceiro mandato na Presidência da República.

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Frente ampla em torno de objetivos pontuais de interesses de forças políticas que pensam diferente é instrumento de solução política e eleitoral sempre disponível, quando não imprescindível, para marchas vitoriosas. Tal solução, obviamente, resulta em certas concessões programáticas das forças que se unem, mas esta é a grande engenharia: buscar nos programas singulares tudo aquilo que possa ser aceito por todos, e mesmo não tratando de certos aspectos sobre os quais não há acordo, ou o acordo é mais difícil, consolidando assim uma plataforma que a todos reúna em torno do objetivo pontual que perseguem. No caso específico das eleições deste ano, o centro a congregar diferentes foi a oposição a Bolsonaro. E, graças a isso, o objetivo foi alcançado.

A frente ampla, naturalmente, não é algo estático, ao contrário, segue o movimento do cenário político em que atua. Pode simplesmente se desfazer sob nova situação, ou alterar sua natureza, métodos e composição. Sendo eleito no bojo de um amplo movimento frentista, e de acordo com o atual estágio da correlação de forças políticas no país, Lula não poderá governar à margem desse movimento, ou seja, a frente ampla deverá subsistir ao longo do novo governo em favor da estabilidade e de e avanços democráticos, por mais modestos que sejam. Não será de fácil administração. As negociações deverão ser intensas e, algumas vezes, tensas, gerando apoios e críticas, quando não deserções. Por sua natureza, seus conhecimento e experiência, Lula saberá capitanear o barco do Brasil pelas tempestades que estão por vir.

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