A crise na Irlanda: a União Europeia aguenta?

Se a zona do euro não sobreviver, a “União Europeia também não sobreviverá". Esta declaração do presidente do Conselho Europeu, […]

Se a zona do euro não sobreviver, a “União Europeia também não sobreviverá". Esta declaração do presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, antes do início da reunião dos ministros europeus de finanças, que ocorreu hoje (16) em Bruxelas, dá uma indicação clara da gravidade da crise econômica que se aprofunda na Irlanda, pode contaminar Portugal e de lá saltar, dos países mais pobres e periféricos, para as demais nações do continente.

O roteiro que se desenrola na Irlanda repete situações semelhantes já vistas, nos últimos tempos na Grécia e na Islândia, para ficarmos apenas em países europeus. Ela resulta da tentativa conservadora de enfrentar a grave crise iniciada em 2008 em Nova York com medidas que salvam os bancos e o grande capital, se submete aos interesses das grandes potências – no caso a Alemanha, a potência hegemônica que se impõe na Europa – e sacrificam os trabalhadores.

O receituário é conhecido: cortes nos gastos dos governos, nos salários dos trabalhadores, endurecimento das regras para aposentadoria, diminuição dos gastos sociais. Na outra ponta, rios de dinheiro para salvar os bancos e os grandes investidores – aquilo que a imprensa, eufemisticamente, chama de “mercado”.

Foi aquele receituário que levou a Irlanda à beira da falência. O país anda no vermelho desde 2008 quando usou 45 bilhões de euros para salvar cinco bancos atingidos pela crise. Em 2009, reforçou o figurino neoliberal com novos cortes orçamentários, redução dos salários e benefícios, aumento dos impostos. Em setembro de 2009, usou cerca de 50 bilhões de euros para salvar o Anglo Irish Banck.
A consequência foi uma recessão de 7,5% do PIB. No início deste mês o governo irlandês anunciou que em 2011 o novo “ajuste” do déficit público alcançará 6 bilhões de euros. A perspectiva é que, em 2010, o déficit orçamentário seja de 32% do PIB, algo nunca visto na Europa do pós-guerra. Calcula-se que, se forem excluídas desta conta a ajuda aos bancos, o déficit seria de uns 12% do PIB – isto é, mais de 2/3 dele é resultado da ajuda ao grande capital. É muito para um país pequeno, com seis milhões de habitantes e um PIB de 160 bilhões de euros.

Temerosos em manter suas aplicações na Irlanda, o “mercado” (isto é, os bancos e os grandes financistas) chantageia o país e exige juros mais altos, aumentando as chances de insolvência. A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI são instrumentos dessa chantagem e impõem condições extremamente duras de ajuste. E que os governos, dada a resistência popular, não tem condições políticas para aceitar.

Embora o governo de Lisboa recuse qualquer comparação, Portugal transformou-se na pedra da vez no dominó da pilhagem, e a pátria de Camões é envolvida na mesma chantagem financeira. A boataria se agravou depois que Luís Amado, ministro português de Negócios Estrangeiros, em uma entrevista considerada “surpreendente” e “imprópria”, colocou em dúvida a capacidade do governo português de aprovar e executar o orçamento para 2011. Motivo: ele prevê uma redução dos gastos públicos num volume impensável numa situação democrática; ele acenou também com a possibilidade de Portugal abandonar o euro se não houver estabilidade política no país.

A realidade com que os governos europeus se defrontam resulta dos ajustes neoliberais das últimas décadas, impostos na consolidação da União Europeia e na implantação do euro como moeda comum. Países pequenos, como Grécia, Irlanda e Portugal, entre outros, se endividaram pesadamente, perderam indústrias e empregos, privatizaram empresas públicas, viveram a subordinação de suas economias ao capital estrangeiro, comprometeram a soberania nacional, sofreram com as políticas monetária e cambial impostas pelo Banco Central Europeu, pelos interesses da Alemanha, e pelas determinações do grande capital.

A crise na Europa se espalha como uma mancha de óleo na superfície da água. As dificuldades enfrentadas pelos países não são técnicas: são políticas. Enquanto os grandes especuladores esperam, dos governos, a salvação para o cassino em que transformaram o sistema financeiro, o povo demonstra nas ruas – de Atenas a Paris, Londres, Dublin e outras capitais e grandes cidades europeias – seu inconformismo e rejeição contra a perda de direitos sociais, salários e empregos. Como teme Herman Van Rompuy, a União Europeia sobreviverá?