A midia, contra a regulamentação do grampo

Há um paralelo entre a ação do governo dos EUA na crise econômica que de lá se espalha pelo mundo rico, e a sanha incontida de um tipo de jornalismo orientado pela regra ''danem-se os fatos, o que importa é a pauta'', que também floresceu sob a influência global do mesmo pensamento único cujos dogmas e práticas malsãs estão na origem daquela crise.


 


No caso da tragédia financeira, economistas, administradores de fundos e comentaristas afirmam que os erros começaram com Alan Greenspan que, tendo constatado em 1996 a ''exuberância irracional'' e a ''bolha'' do mercado acionário, não agiu contra elas. A crise foi gestada ao longo dos anos, e Greenspan insistia que medidas de regulamentação poderiam perturbar os mercados de capitais…


 


Em relação ao jornalismo, na semana passada o governo do presidente Lula encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei que prevê a punição criminal de órgãos de imprensa ou jornalistas que divulgarem o conteúdo de escutas telefônicas ilegais ou que estiverem sob segredo de justiça. Pune inclusive quem entregar estes conteúdos para os jornalistas, para divulgação.


 


Imediatamente, os baluartes da ''liberdade de imprensa'', como o vice-presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) Júlio César Mesquita, membro do Conselho de Administração de O Esrtado de S. Paulo, emitiu nota estranhando e condenando a iniciativa do governo.


 


Há um ponto em comum nestas duas situações: elas tratam da subordinação à lei das ações de agentes particulares, na economia e na mídia. Mas a reação é, hoje, diversa.


 


Na economia, os campeões da iniciativa privada resistiram até onde puderam contra qualquer regulamentação do mercado financeiro. Quando o desastre se anunciou, ameaçando a própria estabilidade do sistema, Greenspan passou a figurar na primeira fila dos oráculos do neoliberalismo e da desregulamentação que compõem o coro pela intervenção do governo para salvar bancos e o próprio sistema financeiro, que parecem derreter em Wall Street.


 


Em relação à lei que regulamenta o ''grampo'' e criminaliza seu uso à margem da lei, os porta-vozes do mesmo neoliberalismo rejeitam qualquer regulação, entoando o bordão da defesa da ''liberdade de imprensa''. Os monopolistas da imprensa grande no Brasil querem continuar fazendo o que bem entendem para aumentar seus lucros e atacar adversários políticos, às custas de informações mal-apuradas, meias verdades, aparência de realidade e outros tipos de violência contra o bom jornalismo, equilibrado e socialmente responsável. Ao contrário, o jornalismo que praticam hoje tem, entre seus esteios, a divulgação de escutas telefônicas. Os periódicos viraram trincheiras de interesses conservadores, apresentados como ''neutros''. E que difundem como verdades definitivas informações muitas vezes distorcidas e que logo se revelam inconsistentes.


 


Em defesa desse tipo de jornalismo irresponsável, seus donos rejeitam qualquer  controle para atestar o compromisso com a realidade, mandando às favas os fatos concretos e as leis vigentes.


 


Na economia, a ausência de regulamentação abriu as portas do desastre. Na mídia, ela já fez estragos enormes contra a reputação de políticos, homens públicos e mesmo pessoas comuns que cairam nas teias da ''informação'' e nada puderam fazer contra ela.