A soberania e a independência do Brasil
Quando se fala em política externa no Brasil, a lembrança da doutrina inaugurada pelo quinto presidente dos Estados Unidos, James […]
Publicado 07/09/2018 16:50
Quando se fala em política externa no Brasil, a lembrança da doutrina inaugurada pelo quinto presidente dos Estados Unidos, James Monroe, há quase dois séculos, é inevitável. Seu sentido, traduzido no slogan “A América para os americanos”, está na lógica de que a economia dos Estados Unidos depende das imensas riquezas da América Latina e, por consequência, os passos políticos da região são sempre vigiados pela Casa Branca. A imagem mais recente da “Doutrina Monroe” é a proposta da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), barrada pela ascensão de governos progressistas na região.
Sua viabilidade dependia da continuidade de governos subservientes à diplomacia brucutu de Washington, de costas para os interesses dos povos da América Latina e associada às classes dominantes da região. O projeto atendia aos interesses estratégicos dos Estados Unidos na região, mas afetava em especial o Brasil, devido a suas dimensões territoriais, ao tamanho da população e ao gigantesco Produto Interno Bruto (PIB). Para aquela lógica, o Brasil fincando sua bandeira em outras terras fora do âmbito dos mercados norte-americanos e europeus soava como proposta exótica.
A realidade se encarregou de provar o contrário. Em agosto de 2002, Lula, ainda candidato à Presidência da República, entregou uma carta ao presidente cessante, Fernando Henrique Cardoso (FHC), dizendo que era urgente “gerar um elevado superávit comercial, fundado no aumento expressivo das exportações, de modo a diminuir a vulnerabilidade do país com relação à volátil liquidez internacional”. “Isso requer, de imediato, uma ampla ofensiva diplomática, que mobilize todas as embaixadas e consulados brasileiros para apoiar o esforço exportador do Brasil”, afirmava o documento.
Na sua posse, Lula disse que, “em relação à Alca, nos entendimentos entre o Mercosul e a União Europeia, na Organização Mundial do Comércio (OMC) o Brasil combaterá o protecionismo, lutará pela sua eliminação e tratará de obter regras mais justas e adequadas à nossa condição de país em desenvolvimento”. Lula afirmou ainda que a grande prioridade da política externa do seu governo seria “a construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais democráticos e de justiça social”.
O discurso reforçou a lógica política das relações internacionais que o Brasil adotaria. “Visamos não só a explorar os benefícios potenciais de um maior intercâmbio econômico e de uma presença maior do Brasil no mercado internacional, mas também a estimular os incipientes elementos de multipolaridade da vida internacional contemporânea. A democratização das relações internacionais sem hegemonias de qualquer espécie é tão importante para o futuro da humanidade quanto a consolidação e o desenvolvimento da democracia no interior de cada Estado”, disse o presidente.
Quando a nova política externa chegou, o Brasil mostrou como desataria o nó da política comercial, responsável por seguidos déficits desde a implantação do “Plano Real”: o governo saiu pelo mundo, disputando terreno em vários mercados. Assim o Brasil ajudou a despachar a onda neoliberal na região, despertando rugidos e expressões de pesar na direita. Surgiram, no lugar, esforços unitários que resultaram na Unasul, na Celac, no fortalecimento do Mercosul. Num âmbito maior, emergiu também a força do Brasil nos BRICS.
Agora, no debate eleitoral, esse tema deve estar presente como prioridade para uma eventual volta de um governo progressista. Política exterior também é política pública, por sua influência nos mecanismos do Estado para a promoção do desenvolvimento do país. Exerce influência na dinâmica econômica, na política macroeconômica e nas relações diplomáticas. Lula, por exemplo, assim que chegou ao Palácio do Planalto colocou boa parte do aparato do Estado trabalhando para o aumento das exportações. E, até o golpe de 2016, a política externa procurou desenvolver uma estratégia multipolar de afirmação da sua soberania.
A restauração da ordem pré-2002, com a roupagem ultraliberal e neocolonial do golpe, reconectou os fios da política externa brasileira à velha obediência aos ditames de Washington. O Ministério das Relações Exteriores, devolvido aos tucanos, foi imediatamente recolocado à disposição da diplomacia norte-americana, gesto que ficou demonstrado pela subserviência do plenipotenciário de José Serra — o então chanceler do golpe e arquiteto da entrega do pré-sal —, Aloysio Nunes Ferreira (atual ministro da pasta), que visitou os Estados Unidos para anunciar ao mundo que a fraude do impeachment da presidenta Dilma Rousseff não foi golpe.
Os novos donos do poder também se apressaram em restaurar o espírito antipatriótico da direita, fazendo o país sentir, em curto espaço de tempo, os efeitos do entreguismo e da desnacionalização, cujos maiores símbolos são a entrega do pré-sal e o processo de perde de controle do país sobre a Embraer. Essa nova ordem diplomática rompe, inclusive, com a histórica tradição de soberania da política externa brasileira. Esse é um ponto decisivo da proposta de governo que preza a soberania e a independência do país como valores inegociáveis.