Chile: morte do tirano favorece revisão da Lei de Anistia

“O Exército do Chile deve recuperar a honra manchada por este indivíduo, que o separou de seu povo. Se agirem de acordo com o sentimento da nação, deverão degradá-lo”. Esta exigência, que consta da nota divulgada dia 10 pelo Partido Comunista do Chile sobre a morte do ex-ditador general Augusto Pinochet – um “personagem banhado de crimes de lesa-humanidade, de corrupção e roubo”, diz aquele documento – mostrou-se conectada com a consciência democrática e patriótica da nação chilena. As expulsões do neto de Pinochet e de um general das fileiras do Exército chileno bem comprovam isso.



 


O governo Bachelet  vinha dando sinais de uma necessária revisão da lei de Anistia decretada por Pinochet em 1978, e que impede a punição de agentes da repressão por crimes de tortura e assassinato de opositores políticos, que no Chile alcançaram a assombrosa quantia de 3 mil mortos e 28 mil torturados nos dezessete anos em que durou a ditadura fascista de Pinochet. A revisão dessa absurda lei é uma luta antiga dos comunistas e outros setores democráticos do Chile.



 


A morte do tirano adiou o anúncio da mudança na lei de Anistia.Mesmo assim, paradoxalmente, a própria repercussão da morte de Pinochet vai tornando o clima político mais favorável para essa revisão, como demonstra os movimentos da cúpula militar chilena em desligar-se daquele passado macabro e sangrento, mesmo que a custo de tomar medidas que, em outros tempos, seriam impensáveis.



 


A primeira dessas medidas foi a expulsão do Exército do capitão Augusto Pinochet Molina, neto de Pinochet, que, em discurso durante o funeral do ditador, defendeu-o justamente por ter derrotado pelas armas, em 1973, o governo democrático da Unidade Popular e de Salvador Allende. Seu discurso foi considerado uma falta “gravíssima” pela presidente Bachelet, por expressar opiniões “contra um poder do Estado e de setores da sociedade chilena”.



 


No dia seguinte, outra medida, em tom mais elevado: agora o expulso foi um alto oficial, o general Ricardo Hargreaves, por ter declarado apoio à “causa” do ditador “fui partícipe da causa de Pinochet. Compartilhei plenamente essa causa e continuo compartilhando”, disse ele.



 


 


As duas expulsões, de iniciativa do comando militar, foram apoiadas pela ministra da Defesa, Vivianne Blanlot. “Há uma razão de fundo que é muito forte, e que às vezes não se entende bem: a de que as Forças Armadas existem para proteger todos os chilenos de ameaças externas, principalmente. O que precisamos é poder confiar nas Forças Armadas, às quais entregamos armas”, disse ela, firmando um princípio de natureza democrática: os militares são funcionários que servem à Nação e ao povo e, portanto, pelo caráter de sua função, não podem tomar partido nas disputas políticas nem usar as armas – que são públicas, sugeriu Blanlot – para apoiar uma ou outra facção política.



 


 


É este espírito que move a revisão da lei de Anistia chilena, que, por uma coincidência irônica, ocorre no momento da morte do ex-ditador chileno, que já vivia um ostracismo reforçado pelos processos judiciais para apurar seus crimes de tortura, assassinatos e enriquecimento ilícito. “A morte de Augusto Pinochet não pode significar um ponto final nem impunidade para as brutais violações aos direitos humanos perpetradas sob o império do terrorismo de Estado durante sua tirania”, diz a nota divulgada pelo Partido Comunista do Chile, sendo “imperativo que continuem sendo conduzidos os processos até obter-se a plena verdade e justiça”.