É justo asilar Battisti

O Brasil e os brasileiros devem munir-se tanto de firmeza como de paciência face ao chamado caso Battisti. Os destemperos do estilo de governo Silvio Berlusconi são bem conhecidos dentro e fora da Itália. Em geral não são levados muito a sério, como não o eram os factóides de certo ex-prefeito do Rio.

Na busca de reverter uma decisão que cabe apenas ao Brasil (como coube à Itália negar a extradição do banqueiro-fraudador Salvatore Cacciola), o governo italiano perde as estribeiras. Já chamou seu embaixador em Brasília para consultas, gesto diplomático de estridência injustificada nas circunstâncias. Ameaça criar obstáculos à presença brasileira na próxima reunião do G-8, que ocorrem em março na Itália. Cogitou até o cancelamento de um amistoso das seleções de futebol dos dos países.

Na imprensa italiana, a loquaz direita local capricha nos impropérios. Com frequência estende-os ao Brasil inteiro, pintado como nação selvagem sem autoridade para falar em direitos humanos. Nem parece que as acusações partem da pátria do fascismo e onde se cunhou originalmente a expressão ''Anos de Chumbo''.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Justiça, Tarso Genro, explicaram as sólidas razões legais e humanistas do Brasil para conceder a condição de refugiado político a Cesare Battisti. Fizeram notar que se trata de um gesto soberano do Estado brasileiro, que inscreve a concessão de asilo político entre os princípios de suas relações internacionais, como dia o artigo 4º da Constituição.

A decisão brasileira não entra no mérito da sentença da Justiça italiana, que condenou Battisti à prisão perpétua, à revelia, baseada exclusivamente na delação premiada de um ex-companheiro, por quatro homicídios durante ações de um grupo da extrema-esquerda armada, quatro décadas atrás – Battisti, que se afirma inocente, tinha então 25 anos. Muito haveria que se falar caso se entrasse neste debate hoje pertencente à História – e não só sobre os desatinos da extrema-esquerda italiana mas também sobre a truculência das autoridades dos ''Anni di Piombo'', que provocou sensível retrocesso democrático no país.

No caso Battisti o governo brasileiro alega apenas que há fundados temores de perseguição política caso o ex-militante seja extraditado. Basta ler os jornais italianos para verifica-lo.

O Brasil recusa-se a extraditar Battisti como a França recusou-se recentemente a extraditar Marina Petrella, outra ex-militante armada italiana, depois de asilar por mais de duas décadas o próprio Battisti, em 1981-2004. Causa espécie a disparidade do comportamento do governo italiano ao tratar com brasileiros ou com franceses. Os dois pesos e as duas medidas saltam aos olhos.

O cultivo do direito de asilo é uma prática que engrandece o Brasil. Já beneficiou tiranos com as mãos gotejando sangue, como o ditador salazarista Marcelo Caetano e o paraguaio Alfredo Stroessner. Mesmo nesses casos a opinião progressista brasileira, como a portuguesa e a  paraguaia, não o contestou pois compreende que a premissa é justa e generosa. Assim como, em contraste, foi injusto e mesquinho extraditar Olga Benário para a Alemanha nazista em 1936.

O Executivo brasileiro, ao dar asilo a Battisti, age movido pelo desejo de que nunca mais ocorra um caso Olga Benário. Espera-se que o Supremo Tribunal Federal, chamado a encerrar o processo de extradição, faça-o o quanto antes e liberte Battisti, para que ele possa viver e escrever seus livros no país que lhe deu abrigo.