Hegemonia “a ferros” não funciona: exclusivismo é nocivo à coalizão governista

Pode-se dizer que o atual processo eleitoral para a presidência da Câmara dos Deputados reflete o quadro político do País. Esse tipo de pleito tem suas particularidades.


 


O formato atual do sistema político presidencialista no Brasil permite que o presidente da República seja eleito por uma coligação que não necessariamente tenha a maioria na Câmara dos Deputados. Portanto, as minorias acabam tendo uma importância relativa no processo político.


 


Sendo assim, a presidência da Câmara deve expressar o conjunto de forças políticas ali representadas, de forma institucional, para que se estabeleça o equilíbrio necessário para o funcionamento regular e produtivo do Parlamento. É somente nesse sentido que se justifica o apoio de forças oposicionistas a um ou outro candidato que emerge da base governista.


 


Na verdade, não havia a pretensão original da parte do atual candidato à reeleição, Aldo Rebelo (PCdoB-SP) de se recandidatar. Essa posição se consumou por sugestão e incentivo do presidente Lula, ainda no ano passado. O próprio PCdoB, por sua representação relativa na Câmara, não poderia sozinho pleitear uma candidatura à presidência da Casa.


 


Assim é que a postulação de Aldo Rebelo se baseia no respaldo de um conjunto de partidos com protagonismo da Câmara, além de correntes partidárias em várias outras siglas. Para que vigore a plena governabilidade na Câmara dos Deputados, é preciso que haja confiança política na presidência tanto por parte da situação quanto por parte da oposição.


 


O Partido dos Trabalhadores busca abruptamente consolidar sua hegemonia política ameaçada nestes últimos meses, entre outros motivos, pelas conseqüências de uma série de denúncias que atingiram quadros importantes dessa legenda. Desde antes do primeiro mandato de Lula, o PCdoB defendeu e continua defendendo a necessidade de se constituir no Brasil um governo de coalizão de amplas forças, com base em um programa definido de governo.


 


Na última eleição presidencial, os partidos da aliança que elegeram Lula aprovaram um programa de governo do gênero, com a especial participação do PT e do PCdoB na elaboração de seu conteúdo.


 


Constituída a coalizão, formalizada no Conselho Político do Governo, o acordo tácito de eleger Lula, e reeleger os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Aldo Rebelo respectivamente, foi rompido – o cristal foi trincado. O PT, sem consulta prévia aos membros da coalizão, lançou o candidato Arlindo Chinaglia à presidência da Câmara.


 


Talvez tenha havido erro de cálculo político por parte dos dirigentes da campanha de Arlindo de que Aldo renunciaria em troca de outras posições no governo. Acontece que Aldo não é candidato de si próprio – mas expressão política de forças que pregam o fortalecimento do Legislativo, sua independência e seu papel insubstituível de representação política do conjunto da vontade nacional.


 


O PSDB, por seu turno, continua dividido, como resultado da disputa presidencial. Seus dois maiores líderes hoje, o governador eleito de São Paulo José Serra, e o governador reeleito de Minas Gerais, Aécio Neves, são candidatos potenciais à Presidência em 2010. São duas personalidades políticas que procuram a melhor forma de se posicionarem internamente tendo em vista a indicação para a postulação dentro do partido.


 


O PFL segue uma linha de radicalização política, afastando-se de posições do PSDB – partido ao qual esteve umbilicalmente ligado durante o último processo eleitoral. Atualmente o PFL busca essa diferenciação política para não perder sua personalidade oposicionista.


 


Estes últimos acontecimentos políticos envolvendo os partidos da base do governo, entretanto, não devem significar um rompimento estratégico do PCdoB e do PSB em relação ao PT. Existe, sim, um certo abalo circunstancial, que já ficou patente no processo eleitoral de 2006, quando estes dois partidos da base governista buscaram, da mesma forma que o PT sempre buscou, posições destacadas na esfera das eleições majoritárias.


 


O grande desafio de construção de uma corrente de esquerda forte em nosso país continua em pauta. O PT pode jogar um papel relevante nesse empreendimento, mas não pode ser regido por uma concepção exclusivista – de que só cabe a ele ser o centro em todos os processos políticos nos quais atuam as legendas aliadas.