Lula na terra dos ''olhos azuis''

Nesta quinta-feira (2) o presidente Lula irá à reunião do G20 em Londres. Será a segunda do grupo criado sob […]

Nesta quinta-feira (2) o presidente Lula irá à reunião do G20 em Londres. Será a segunda do grupo criado sob o impacto da crise capitalista global, aparentemente no lugar do G8, que por sua vez nasceu da inclusão da Rússia ao G7, dos países mais ricos (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá).



O debate preparatório no Brasil foi viciado pela acusação de racismo contra uma frase de Lula dia 26, em coletiva em Brasília ao lado do primeiro ministro britânico, Gordon Brown: ''A crise foi causada, fomentada, por comportamentos irracionais de gente branca de olhos azuis que antes da crise parecia que sabia de tudo e agora demonstra não saber nada''.



A mídia nativa elegeu a metáfora como alvo e até hoje faz render o suposto racismo. Não tolera que presidente pau-de-arara, mestiço, torneiro mecânico e ex-sindicalista, ainda afronte seus interlocutores na reunião londrina com uma frase dessas.



Referências à cor da pele e dos olhos das pessoas são sempre uma escolha de risco. Feita a ressalva, Lula foi certeiro nos vários recados que deu: desde a origem da crise em Wall Street até a crítica indireta ao preconceito contra imigrantes nos países centrais.



É fato que peles e olhos de outras cores frequentarão a cúpula de Londres. Os países recém-integrados – não por um acesso de generosidade dos ricos, mas porque estes precisam de ajuda – são a África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México e Turquia.



Lula move-se em diferentes sentidos para que a crise gere a oportunidade de maior protagonismo para o Brasil e estes novos atores. Nota que é hora de ouvir o que dizem a Índia e a China; esta vem de propor a criação de uma moeda mundial de reserva para substituir o padrão dólar. O Brasil quer democratizar estruturas como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, o Conselho de Segurança da ONU; pleiteia uma cadeira permanente neste último.



Tudo isso – e até a candidatura do Rio às Olimpíadas de 2016 – estará em pauta no G20 e seu entorno. E tudo tem uma lógica: o mundo que emergirá da crise deve ser mais plural, menos desigual e assimétrico.



Se estas metas triunfarão no G20 é problemático. Os EUA de  Obama, que têm um peso duplamente notável, como maior economia e como centro da crise, agem como quem deseja uma simples reunião de aval às medidas domésticas já tomadas. Pensam pequeno, se creem que arranjarão as coisas com a compra dos papéis podres de seus bancos ou dando mais 60 dias de prazo a suas automobilísticas às portas da falência.



É legítimo que os novos protagonistas do G20 levem a Londres outras visões mais ousadas. Que insistam no destravamento do acordo sobre o comércio mundial, defendam a reengenharia das estruturas montadas no pós-guerra, há mais de meio século, e um tratamento global para a crise que é planetária. Caso eles triunfem, mesmo parcialmente, os brancos de olhos azuis não terão motivos para se sentirem preteridos. Gordon Brown deve ter a nítida noção de que já lá vai o tempo em que os bairros ingleses de Xangai punham avisos ''Proibida a entrada de chineses e cães''.