Mídia quer o Parlamento de joelhos

A guerra intermitente dos grandes órgãos de comunicação contra o Congresso Nacional transformou-se em uma ofensiva de terra arrasada a partir de fevereiro. Apresenta-se ao público um teatro de sombras onde os personagens se sucedem vertiginosamente, ora o deputado ''que se lixa'', ora o ''do castelo. Os escândalos em si não interessam. Importa vender uma imagem nauseabunda do Parlamento, até deixá-lo de joelhos.


 


A ofensiva é facilitada porque muitos dos escândalos são reais, e de fato repugnantes.  Porém é a mídia hegemônica e não o Congresso a vilã dessa trama.


 


Com todos os seus defeitos, que não são poucos nem pequenos, o Congresso ainda é o Poder da República mais próximo dos cidadãos. Mais que o Executivo, muito mais que o Judiciário e infinitamente mais que o pretenso Quarto Poder midiático.


 


Este suposto Poder, o único privado, sob controle de um punhado de dinastias empresariais de talento minguante e empáfia montante, blindado à soberania popular, tem como princípio jamais discutir a si próprio, e nem permitir que isso ocorra. Em crise tecnológica, ideológica e ética, às voltas com um público que lhe vira as costas, nem assim abre o jogo.


 


A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), convocada para dezembro, pode ser uma oportunidade para a cidadania brasileira abrir a caixa preta da mídia. Um debate nacional propiciando que se traga à luz os podres do ''Quarto Poder'', suas conexões invisíveis com os poderes públicos e sobretudo com o poder econômico privado.


 


Quanto ao Parlamento, figura hoje na incômoda posição da Geni da fábula de Chico Buarque: apedrejado. Porém o caminho para redimi-lo, que passa por uma reforma política com voto em listas partidárias e financiamento público das campanhas, é obstruido por um apedrejamento midiático ainda mais furioso. O editorial A lei dos descarados, da Folha de S. Paulo, é apenas um entre muitos exemplos.


 


O tipo de reação que a campanha cultiva na opinião pública, ou publicada, assemelha-se à do analfabeto político do poema: colérica, cega, obtusa. Permanecem na sombra as suas reais razões. Certamente não incluem a elevação de uma sadia vigilância cidadã sobre o Parlamento. Aparentemente, visam somar aos velhos vícios legislativos uma submissão covarde aos barões midiáticos.


 


O problema se agrava porque os meios de comunicação dominantes possuem um real poder de chantagem sobre os parlamentares, entre os quais não aparece quem se atreva a amarrar o guiso no gato. Da parte do Executivo, somente no segundo mandato o governo Lula tomou duas iniciativas meritórias mas insuficientes quando criou a TV Brasil e convocou a Confecom; não se espere dele um gesto como o de Getúlio Vargas, que em 1951 impulsionou o nascimento da Última Hora. E a corte suprema do Judiciário vem de prestar um favor a essa mesma mídia ao declarar inconstitucional a Lei de Imprensa.


 


É na cidadania que surgem, espontaneamente, os sinais mais promissores de resistência. Por exemplo o boicote aos órgãos que perdem credibilidade. E mais ainda a guerrilha que tem a internet como teatro, travada inclusive por jornalistas oriundos da grande mídia que se rebelaram contra ela. É uma guerrilha difusa, mas com poder de fogo já testado. Dela se espera que intensifique o combate para não deixar que nossa pobre e jovem democracia seja piorada por um Congresso posto de joelhos.