Mirem o exemplo de Atenas e vejam: o FMI não tem conserto
A eleição da advogada e ex-ministra de Finanças francesa, Christine Lagarde, para o cargo de diretora-geral do FMI reforçou falsas esperanças […]
Publicado 07/07/2011 19:27
A eleição da advogada e ex-ministra de Finanças francesa, Christine Lagarde, para o cargo de diretora-geral do FMI reforçou falsas esperanças na reforma da instituição que, ao longo da história, tem se comportado como fiel guardião da ordem imperialista mundial hegemonizada pelos Estados Unidos, que hoje em dia faz água.
O FMI foi criado em 1944, no bojo dos acordos celebrados em Bretton Woods entre EUA, Inglaterra e outros países capitalistas. Mais de 180 países estão associados ao órgão atualmente. Desde sua origem até o presente momento, o Fundo age como um gendarme da oligarquia financeira internacional, embora o pretexto seja outro: garantir a estabilidade global. Embora liderado agora por uma francesa, sua única língua de trabalho é o inglês.
A composição de sua direção é baseada em um sistema de cotas e contribuições que confere maioria à Europa e Estados Unidos. Estes últimos ainda gozam do privilegiado direito a veto. Reza a tradição que os europeus indicam o principal dirigente do Fundo, cabendo aos imperialistas americanos a presidência do Banco Mundial (Bird), que cumpre outras funções mas serve aos mesmos propósitos e senhores.
O Prêmio Nobel de Economia, Joseph E. Stiglitz, fez um duro e preciso diagnóstico do FMI no livro A globalização e seus malefícios. Ele presidiu o Bird e conhece de perto as duas instituições, “controladas não só pelos países industrializados mais ricos do mundo [o que era verdade no ano em que a obra foi publicada, 2002], mas também pelos interesses comerciais e financeiros desses países”.
Conforme Stiglitz, os programas aplicados pelo Fundo “costumam ser definidos em Washington [sede do órgão]” e “de um modo geral, a abordagem que o Fundo adota para os países em desenvolvimento parece mais a de um administrador colonial. Essas pessoas [os altos funcionários do FMI] veem o mundo através dos olhos da comunidade financeira”.
As intervenções da instituição nos países mais pobres, financeiramente dependentes, são desastrosas. Na América Latina, durante a crise da dívida externa que eclodiu no início dos anos 1980, seu legado foram décadas de estagnação econômica, inclusive no Brasil, a bancarrota e moratória da Argentina em 2001 e o amplo e geral repúdio popular.
Na Ásia, por ocasião da chamada crise asiática (que irrompeu em 1997, justamente em função das receitas liberalizantes impostas pelo imperialismo), não foi muito diferente. “Os programas, com todas as suas condições e com todo seu dinheiro, fracassaram” e “o Fundo passou a ser parte do problema das nações em crise em vez de ser parte da solução”, sentencia o Prêmio Nobel.
“À medida que a crise progredia”, complementa, “o desemprego crescia, o PIB despencava e bancos fechavam. A taxa de desemprego quadruplicou na Coreia, triplicou na Tailândia e aumentou em dez vezes na Indonésia, onde quase 15% dos homens que trabalhavam em 1997 perderam seus empregos até agosto de 1998. A devastação foi bem pior nas áreas urbanas na principal ilha do arquipélago, Java”. FMI e Bird ainda são os principais agentes do famigerado Consenso de Washington e do neoliberalismo no globo.
Em função das mudanças silenciosas no poderio econômico relativo das nações determinadas pelo desenvolvimento desigual – que deslocou o eixo dinâmico da produção de mercadorias do Ocidente para o Oriente e dos EUA, Japão e Europa para a China e outros países ditos emergentes –, desde 2008 se discute a reforma das cotas e direitos de voto na instituição. A ideia, lançada pelo G8 naquele ano e aprovada em 2009 pelo G20, suscita esperanças reformistas que não são realistas.
O Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) reclamou maior poder de decisão e após um aumento do capital do Fundo obteve uma modesta transferência de 6% do total dos votos a seu favor. Foi a decadente Europa que cedeu mais. Após a eleição da advogada francesa, anunciaram a criação de um novo cargo de diretor-geral adjunto para agradar a China, que deverá emplacar o economista Min Zhu no posto. Soa como um prêmio de consolação ao novo gigante asiático.
Entre os emergentes não faltam aqueles que sonham com a reforma das instituições geradas pelos acordos de Bretton Woods no rumo do multilateralismo. Fala-se até em substituir o dólar pela moeda do FMI, os Direitos Especiais de Saque, o que transformaria o fundo numa espécie de banco central mundial.
A imaginação é fértil e feliz, mas a realidade nem tanto. É uma rematada bobagem supor que o FMI e o Bird podem ser reformados e postos a serviço dos povos e nações mais pobres, em detrimento dos interesses da oligarquia financeira. Mirem o exemplo de Atenas, onde o FMI, junto com o Banco Central Europeu e a cúpula da União Europeia, integra a “troika” que impôs aos gregos um pacote econômico recessivo e especialmente cruel para a classe trabalhadora, cuja revolta já se fez notar em mais de uma dezena de greves gerais desde 2010.
A receita aplicada por lá tem a mesma lógica e objetivo daquela imposta nos anos 1980 ao Brasil, Argentina e outros países da América Latina. Força a extração de excedentes econômicos (superávits comercial e fiscal), com aumento de impostos e redução de salários e emprego, para evitar moratórias soberanas e bancar os serviços de uma dívida externa impagável, que cresce no embalo de juros compostos a cada dia mais elevados e extorsivos.
A Grécia devia cerca de 80% do PIB antes da crise. Pouco mais de um ano após a intervenção do FMI, iniciada em maio do ano passado, os débitos externos equivalem a mais de 150% de toda a produção do país. O país empobreceu, com o PIB encolhendo mais de 4% ao longo do ano passado, e o endividamento explodiu. É o resultado concreto do amargo pacote neoliberal. Amargo para o povo trabalhador, doce para os agiotas globais.
O “socorro” de 110 bilhões de euros fornecido pela “troika” nem passou pela Grécia. Foi direto para o cofre dos banqueiros, que se livraram (por enquanto) da inadimplência. Direitos e interesses elementares e fundamentais da classe trabalhadora estão sendo sacrificados no altar dos bancos credores franceses e alemães.
Os fatos, mais que os argumentos, revelam que as esperanças reformistas do FMI não passam de ilusões. Uma nova ordem internacional, capaz de expressar não só a mudança da correlação de forças no plano da geopolítica como sobretudo apontar no sentido da superação do neocolonialismo imperialista e da hegemonia do capital financeiro, não virá através do remendo das instituições caducas de Bretton Woods. Substituí-las, além de um clamor popular, é um imperativo do progresso histórico.