O caos urbano e as imposições do capital

Há uma lógica de mercado que precisa ser compreendida na avaliação dos graves problemas urbanos. Esta é a conclusão que […]

Há uma lógica de mercado que precisa ser compreendida na avaliação dos graves problemas urbanos. Esta é a conclusão que se pode tirar dos argumentos apresentados por dois especialistas em um debate realizado na reunião anual da SBPC ocorrida em Campinas (SP). Eles merecem reflexão, principalmente durante a atual campanha eleitoral, quando se apresentam programas para as cidades brasileiras.



O sociólogo canadense George Martine, consultor da ONU, e a geógrafa brasileira Marília Steinberger, da Universidade de Brasília participaram do debate ''Crescimento urbano, populacional e meio ambiente no século 21'' (noticiado pelo portal Vermelho em 18 de julho passado) e puseram o dedo na ferida destes problemas, na contramão dos argumentos que prevalecem sobre eles.



O problema do inchaço das cidades modernas é real, e mundial. Como Martine mostrou, no planeta, toda semana 1,2 milhão de pessoas trocam o campo pelas cidades, principalmente na Ásia e na África. No Brasil, 80% da população vive em cidades. Martine, que é autor do relatório ''Situação da população mundial 2007: Desencadeando o potencial do crescimento urbano'', publicado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em 2007, calcula que em 2030 a população urbana mundial será de 5 bilhões de pessoas – hoje é de 3,3 bilhões. 



O caos urbano não é resultado desse crescimento, mas da forma de lidar com ele, dizem. É a ação dos governos em relação à imigração e ao fornecimento dos serviços públicos para a população mais pobre que gera prejuízos sociais, econômicos e ambientais. Marília Steinberger está convicta, por exemplo, de que não é o crescimento das cidades que denigre o meio ambiente. E aponta a ocupação de áreas de mananciais por favelas, que ocorre porque os programas de habitação popular são limitados, levando o povo pobre a morar onde consegue. Podia ter lembrado também a especulação imobiliária que, a pretexto de benefícios ''ambientais'' para os mais ricos, fomenta a construção de moradias em áreas de proteção ambiental propagadas como verdadeiros ''jardins'' ao alcance dos mais privilegiados.



O caos urbano resulta também da escassez de serviços urbanos como saúde, segurança, educação, dificuldade de acesso ao emprego. Um ícones, aqui, é o trânsito caótico. Martine cita o caso de Bogotá (Colômbia), que era campeã de engarrafamentos há quinze anos, resolveu o problema invertendo a lógica dominante. Ao invés de gastar bilhões na construção de túneis, viadutos e novas avenidas, economizou construindo ciclovias, inspirando-se nas soluções adotadas em Cuiritiba (PR) para o transporte coletivo, e dificultando o acesso de automóveis ao centro da cidade. “É preciso se perguntar para quem serão feitas as mudanças. Fazer viadutos privilegiará somente os donos de automóveis e continuará a deixar a maior parte da população à pé”, disse ele.



É preciso insistir que há uma conclusão a ser tirada destes argumentos. E ela pode ter reflexos nos programas dos candidatos às eleições municipais: existem duas lógicas em relação a estes problemas, e que inspiram soluções antagônicas para eles. Uma é a lógica capitalista, da especulação imobiliária, do transporte individual, da mercantilização dos serviços públicos e da consequente exclusão dos mais pobres. A outra lógica é aquela que, contrapondo-se aos interesses do capital, coloca no centro o atendimento às pessoas e às suas necessidades. É sob esta outra lógica que as cidades podem ser melhoradas e humanizadas.