O crime e o perigo de ceder uma base militar aos Estados Unidos

A tradição brasileira, registrada com letras de bronze na Constituição Federal, é de paz com o mundo e seus vizinhos. O término da última ação bélica em que o Brasil se envolveu na América do Sul – a Guerra do Paraguai – completará 150 anos em março de 2020 – daqui a pouco mais de um ano.

Neste século e meio, o país resolveu todas as questões que porventura tenham surgido com seus vizinhos, de maneira negociada, prevalecendo a diplomacia, e nunca a força das armas. Mesmo no grande conflito em que o país se envolveu – a Segunda Grande Guerra – teve o mérito de lutar pela democracia e contra a agressão nazi-fascista no mundo. Na década de 1950, o país rejeitou enviar tropas para a agressão imperialista liderada pelos Estados Unidos contra a República Popular da Coréia, numa atitude anti-guerra que confirmou a vocação pacifista dos brasileiros.

Esta tradição deu estatura política à diplomacia brasileira possibilitando ao país contribuir com a solução de conflitos externos. Respeitabilidade reconhecida internacionalmente desde os tempos do Barão do Rio Branco e que teve especial relevo nos governos do presidente Lula e da presidenta Dilma Rousseff. É notável que mesmo durante a ditadura militar de 1964 o Brasil foi mais altivo nas relações internacionais, longe da submissão inaudita que Jair Bolsonaro e seu chanceler Ernesto Araújo exibem neste começo de governo da direita mais retrógrada.

É levando em conta a tradição da diplomacia brasileira que não faz o menor sentido a pretensão do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro cogitar em permitir a instalação de uma base militar dos EUA em território nacional.

A reação do governo dos estadunidense não podia ser outra. Imediatamente após a “oferta” de Bolsonaro, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo – que esteve em visita ao Brasil -, declarou que seu governo está "muito entusiasmado" com a guinada para a direita que ocorre na América do Sul, e considerou positiva a possibilidade de ter uma base militar no Brasil. "Nós ficamos muito satisfeitos", disse.

Trata-se de uma pretensão dos Estados Unidos que não é nova. Nunca é demais lembrar a tentativa estadunidense de manter a base militar em Parnamirim, no Rio Grande do Norte, cedida pelo Brasil como parte do esforço de guerra contra o nazismo, em 1942. A devolução foi exigida pelos democratas e comunistas, que se manifestaram nesse sentido na Assembléia Nacional Constituinte de 1946, campanha na qual o dirigente do PCB, senador Luiz Carlos Prestes, se destacou, denunciando a entrega como crime, e como um perigo a permanência em território nacional de tropas estrangeiras.

Perigo e crime novamente cogitados por um presidente que parece ter um vício de bater continência à bandeira estadunidense ou qualquer funcionário ianque que cruzar pelo caminho. Embora se deva levar em conta, pelos primeiros dias do governo, que o presidente da República afirma uma coisa para desdizê-la a seguir, quer seja pela própria boca ou pela a de um subalterno, a gravidade do tema exige pronto rechaço das forças democráticas, patrióticas e populares do país.

Pela simples razão de que o Brasil tem força militar para defender-se, e também pelo sinal que daria para o mundo, o de que desde este 1º de Janeiro o país passou de mala e cuia para a esfera de influência dos EUA, cogitando, inclusive, ceder o chão sagrado da pátria às tropas de uma potência que sempre cobiçou nossas riquezas.

Bolsonaro conduz o Brasil a uma submissão inédita ao imperialismo estadunidense, perante o qual se põe de joelhos, implorando por ter uma arma com que possa ajudar a prestar o serviço sujo. Isso já havia sido indicado pela postura deselegante, para dizer o mínimo, de Bolsonaro ao “desconvidar" para a cerimônia de sua posse países com os quais o Brasil tem relações diplomáticas como Cuba, Nicarágua e Venezuela. Tudo para demonstrar alinhamento irrestrito com o governo de Donald Trump. O pronto alinhamento ao chamado “Grupo de Lima”, formado por influência dos Estados Unidos para atuar contra o governo legítimo da Venezuela, teve igual sentido de submissão. Atitute servil que a simples possibilidade considerada de instalação de uma base militar reforça e também um passo avançado em termos do retrocesso que o governo de Jair Bolsonaro representa.