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O Oscar e a democracia ameaçada

Indústria Americana e Parasita, vencedores do Oscar em 2020, chamam a atenção para a natureza da crise que se alastra […]

Indústria Americana e Parasita, vencedores do Oscar em 2020, chamam a atenção para a natureza da crise que se alastra pelo mundo desde o colapso de 2007-2008. A quebra do banco Lemon Brothers, em 15 de setembro de 2008, foi o pico de um processo que vinha do final dos anos 1970, com solavancos bruscos nos anos 1990, e se acelerou a partir de 2007.

Os efeitos são os que os filmes vencedores do Oscar mostram. No caso de Industria Americana, fica demonstrado que a crise trouxe sérias complicações para o chamado mundo do trabalho. Além do desemprego em massa, que cresce sem perspectiva de reversão, há o rompimento com os paradigmas que regulam as relações de trabalho, conhecido como precarização.

O filme Parasita revela a degradação social produzida por um modelo econômico que manipula os fluxos do capital de acordo com a sua reprodução em curto prazo e desconectada dos processos produtivos. Com essa ciranda, a riqueza mundial se concentra nas mãos de poucos e a pobreza se alastra pelo mundo.

As consequências chegam à dimensão política. Sem condições de criar perspectivas para equalizar a produção e a distribuição da riqueza, os sistemas estruturados em regras que garantem alguma democracia para o povo caem em descrédito. Na crise de representação política, surgem os que prometem soluções fáceis, em geral confrontando as premissas da democracia.

Essa tendência se manifesta em diferentes lugares, inclusive no Brasil. A ascensão da extrema direita, que chegou ao poder nas eleições de 2018 pelo caminho pavimentado com o processo do golpe do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016, se deve ao agravamento da crise mundial. A promessa de reversão da tendência de degradação econômica e social foi a mola propulsora desse projeto de poder.

Quando se diz que a democracia está ameaçada no país, a base para a comprovação do alerta é a incompatibilidade entre a aplicação do programa de governo, alinhado à reprodução do capital em curto prazo e sem passar pelo processo produtivo, com a participação popular no processo político. A solução autoritária surge na forma de imposições de leis discricionárias e de mutilações da Constituição.

O povo com liberdade de organização e de expressão, se manifestando por meio de organizações como o sindicalismo e as entidades estudantis, é, naturalmente, um muro de contenção ao projeto do ministro da Economia Paulo Guedes e do presidente Jair Bolsonaro. Quando o bolsonarismo investe contra essas organizações, a lógica é a de cercear a democracia exatamente para quem diverge programaticamente do seu governo: os trabalhadores e a juventude.

Indústria Americana e Parasita – além do brasileiro Democracia em vertigem, de Petra Costa – têm o mérito de incentivar a reflexão sobre esses temas. No caso do bolsonarismo, eles têm o agravante de um histórico abismo entre ricos e pobres, marcado por uma herança escravista e oligárquica entranhada na ideologia das classes dominantes.

A defesa da democracia surge como imposição cívica aos que interpretam com rigor o ponto de partida da Constituição – todo poder emana do povo. Mais do que a realização regular de eleições, um dos fundamentos da democracia, o poder do povo vem também da liberdade de organização, de expressão e de manifestação, condição que o bolsonarismo vem negando sistematicamente.