O protecionismo de Obama é viável?

O discurso sobre o estado da União pronunciado por Barack Obama no Congresso dos EUA, na terça-feira (24) contém mensagens para o eleitorado estadunidense, apresenta algumas ideias para sair da crise e lança um desafio – na verdade uma ameaça de guerra comercial – aos países emergentes, principalmente à China, em relação ao comércio mundial.

Obama está em campanha eleitoral pela reeleição em plena crise econômica que aumenta o desemprego, empobrece a população e coloca o fantasma da fome nos umbrais dos lares mais pobres – os dados oficiais mostram que, lá, a fome atinge hoje uma em cada cinco pessoas.

Para se reeleger, o presidente precisa superar a impopularidade que cresceu ao longo de seu mandato, apontar alguma saída para a crise, restaurar o que resta do “sonho americano” e oferecer alguma resposta ao declínio da influência dos EUA no mundo. Não é uma tarefa pequena.

Por isso, acentuou uma retórica “igualitária” no terreno tributário. Falou em aumentar (passando para 30%) os impostos e diminuir as isenções fiscais para os ricos (com ganhos anuais superiores a um milhão de dólares), mas sem mexer na tributação das empresas, que hoje é baixa.

Proclamou o objetivo de criar empregos, lançando a palavra de ordem de trazer "os empregos de volta para o país". "É hora de pararmos de recompensar empresas que buscam empregos fora do país, e começar a recompensar companhias que criam empregos aqui na América", disse.

Obama deu enorme ênfase a propostas que embutem a volta do protecionismo econômico.

Defendeu medidas contra o que considera concorrência desleal de outras nações e anunciou a criação de uma agência para investigar práticas comerciais lesivas aos interesses dos EUA. O alvo claro é a China, mas pode voltar-se também contra outros países – como o Brasil – que tem conseguido melhorar sua posição no comércio mundial. Obama fala em punir a “pirataria” e o que considera “grandes subsídios” dados à produção nacional por outros países, em prejuízo dos produtores norte-americanos. E anunciou mais rigor na fiscalização contra produtos importados “falsificados” ou prejudiciais à saúde.

Trata-se de uma clara declaração de guerra comercial contra a China, o que soa como música para o eleitorado dos EUA. Mas ela poderá de fato se transformar em realidade? Os especialistas reconhecem uma simbiose entre as economias dos EUA e da China, que decorre de um fenômeno capitalista – a permanente busca por salários mais baixos – que foi incentivado pela política neoliberal. Ao desregular a ação do capital e entronizar a “mão invisível” do mercado como critério regulatório, os donos do dinheiro ficaram de mãos livres para atender à própria ganância e correr mundo, fugindo dos altos salários nos EUA (e nos demais países ricos).

A simbiose resulta, em grande parte, dessa opção – empresas dos EUA mudaram-se para outras nações, como a China, onde produzem cada vez mais aquilo que vendem em seus próprios mercados nacionais. Esse mecanismo gerou saldos comerciais cada vez maiores que tornaram a China a maior credora dos EUA ao investir aqueles saldos em títulos do governo norte-americano.

Os Estados Unidos pressionam o governo chinês contra o que consideram uma desvalorização artificial do yuan para favorecer as exportações chinesas. Mas não avaliam o desastre que a valorização da moeda chinesa poderia significar para empresas norte-americanas que dependem da produção asiática e, também, da aceleração inflacionária que ela poderia provocar nos próprios EUA devido ao aumento de preços que viria na esteira de uma valorização do yuan.

Obama se elegeu em 2008 acenando com um programa de mudanças econômicas e sociais que não cumpriu. O melhor exemplo disso foi a tentativa de ampliar a assistência médica pública, que se tornou alvo de intensa campanha ideológica da direita que acusava aquele programa de “socialista”.

A crise econômica, que empobreceu enorme parcela da população dos EUA, pode ter criado uma conjuntura favorável a um discurso mais avançado. É preciso ver, contudo, se um tal discurso combina com as condições concretas da economia dos EUA e da mudança econômica e geopolítica em curso no mundo.

Neste sentido, falar em medidas que adulam o eleitorado talvez seja mais fácil do que enfrentar tendências que são parte do próprio desenvolvimento contraditório do capitalismo. O governo pode aumentar impostos dos ricos e incentivar empresas para a criação de empregos (isso depende de decisão política e de força para implantá-las). O mais difícil é contrariar a ganância do capital, cuja busca por salários mais baixos para maximizar os lucros tem o resultado, indesejado para eles, de desestabilizar a distribuição do poder e do desenvolvimento no mundo.