O recado das ruas no 23 de maio

Diferentemente da experiência do primeiro mandato do presidente Lula, quando os movimentos sociais se dividiram e resvalaram para os extremos – seja o da passividade acrítica ou o do voluntarismo esquerdista –, agora surgem indícios de que eles procurarão preservar a sua autonomia, intensificar a pressão das ruas e agir com maior sagacidade política. As manifestações unitárias desta quarta-feira, 23 de maio, sinalizam que os movimentos sociais estão mais afiados taticamente para enfrentar os ataques do patronato e mesmo do governo Lula no seu segundo mandato. Os protestos representaram um claro recado das organizações sindicais e populares de que elas não aceitarão “nenhum direito a menos”.



A exemplo do que já havia ocorrido nas ações unitárias contra a visita do presidente-terrorista George W. Bush ao Brasil, os protestos uniram os principais movimentos sociais do país. Com suas leituras táticas diferenciadas, CUT, MST, UNE, Conlutas, Intersindical e outras entidades e partidos de esquerda deixaram de lado as divergências, redigiram um manifesto conjunto e procuraram mobilizar as suas bases.



Esta unidade na diversidade garantiu o êxito dos protestos. Segundo balanço parcial, houve atos em quase todo o país – entre eles, 39 bloqueios de rodovias federais e estaduais, ocupações de hidrelétricas, greves dos servidores públicos e paralisações parciais em empresas privadas, como as dos bancários. Passeatas e atos agitaram as ruas das principais capitais, como a de Salvador, que juntou mais de 10 mil manifestantes.



O êxito da jornada unitária, porém, não elimina os problemas ainda existentes. Ela serviu para acumular forças, mas indica que persistem dificuldades para mobilizações mais massivas das bases sociais. Muitos setores ainda tiveram uma participação aquém do necessário para barrar a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores. Por outro lado, as diferenças de avaliação sobre o quadro político emperram ações mais amplas. A Conlutas, dirigida pelo PSTU, produziu um cartaz em que ataca “as reformas neoliberais do governo”, mas nada fala sobre o veto do presidente Lula à famigerada Emenda 3, da precarização do trabalho. Já a corrente majoritária da CUT privilegiou o apoio ao veto presidencial, mas menosprezou os riscos da reforma da Previdência e da restrição ao direito de greve, ambas arquitetadas pelo governo Lula.



A atual ofensiva contra os direitos trabalhistas exigirá ainda maior unidade e capacidade de mobilização. O veto à Emenda 3, um gesto positivo do governo Lula, não está garantido. As forças conservadoras têm ampla maioria no Parlamento. Como sugere a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), será preciso muita pressão para mudar estes votos. “Uma parcela dos deputados já tem posição clara favorável ou contrária à manutenção do veto. Mas outra parte considerável é influenciável pelas mobilizações sociais”. A mesma pressão das ruas, diz a deputada, “vale ainda muito mais para o governo”. Ela é que pode paralisar uma nova contra-reforma regressiva da Previdência e derrotar os que, no interior do governo, almejam restringir duramente o direito de greve e impor o contrabando do 1,5% de reajuste dos servidores via PAC.