Proibição de coligação proporcional é golpe antidemocrático 

Um levantamento publicado nesta segunda-feira (8) pelo jornal O Estado de S. Paulo expõe o efeito antidemocrático de um dos aspectos mais valorizados pelos setores conservadores na proposta de reforma política que, a partir desta semana, poderá entrar na pauta de votação da Câmara dos Deputados: o fim das coligações para as eleições proporcionais (de deputados federais e estaduais). 

Segundo o levantamento, apenas três partidos seriam beneficiados com a mudança se a regra estivesse em vigor na última eleição (em 2010). PMDB e PT teriam, cada um, 30 deputados federais a mais, e o PSDB teria mais sete deputados; o PV também se beneficiaria, em menor escala, ganhando mais um deputado federal.

Todos os demais 18 partidos teriam sua representação parlamentar reduzida. O PCdoB, que em 2010 conquistou 15 mandatos, perderia 5 (1/3 da bancada). Partidos menores, como PMN, PHS, PRP, PRTB, PSL e PTC simplesmente desapareceriam do cenário parlamentar, perdendo sua representação na Câmara dos Deputados.

Este é o aspecto mais antidemocrático da reforma política que começa a ser votada, que tem também alguns pontos positivos, como o financiamento público exclusivo de campanha. Sua aprovação pode reduzir significativamente o peso do poder econômico nas eleições – isto é, o poder dos ricos. Doar recursos para campanhas eleitorais passa a ser crime, uma medida cujo profundo significado democrático é tornar mais iguais as condições da disputa eleitoral, independentemente da posição do candidato. Outro efeito dessa medida seria baratear o custo das campanhas, que são escandalosamente altos, favorecendo os candidatos dos donos do dinheiro.

Além do financiamento público exclusivo de campanha e da proibição das coligações proporcionais, haverá intensa controvérsia sobre adotar ou não a lista pré-ordenada flexível de votação (em que o eleitor pode votar no partido ou no nome de um candidato). Outro ponto é a coincidência das eleições, todas em uma mesma data.

Um dos itens em debate é o fortalecimento da participação popular, das mulheres e negros, democratização do acesso às disputas eleitorais. Nesse sentido, a proposta é facilitar os mecanismos de participação popular na proposição de projetos de lei e emendas constitucionais (um projeto de lei de iniciativa popular precisaria ter 500 mil assinaturas; uma proposta de emenda constitucional precisaria ter 1,5 milhão de assinaturas).

São as regras do sistema eleitoral e de representação que definem as condições da disputa pelo poder e seu exercício. Daí o impasse quase permanente que cerca a reforma política, a inexistência de consenso, o que pode resultar em seu próprio fracasso.

Os grandes partidos, sobretudo aqueles que representam os setores dominantes na sociedade, pretendem reforçar sua representação, propondo medidas de caráter conservador e antidemocrático. Opõem-se ao financiamento público exclusivo de campanha, que minimiza a influência do poder econômico nas disputas, querem o fim das coligações nas eleições proporcionais, rejeitam a lista partidária pré-ordenada e veem com bons olhos a adoção de alguma forma de voto distrital – o distrital misto, pelo qual metade dos parlamentares são eleitos por esse sistema, ou o chamado “distritão”, que transforma os estados em verdadeiros distritos, elimina o coeficiente eleitoral, elegendo aqueles que pessoalmente tiverem maior número de votos, sem considerar a votação de seus partidos. São formas conservadoras de enquadrar a vontade popular, manifestada nas urnas, em regras que favorecem aqueles que já detêm o poder na sociedade.

O lamentável é que o relatório que irá ao Plenário, elaborado por destacado parlamentar do mais importante partido da coalizão que respalda o governo da presidenta Dilma Rousseff, tenha incorporado a proibição antidemocrática às coligações nas eleições proporcionais.

Se existe algum aspecto positivo na atual legislação eleitoral brasileira, é precisamente o sistema proporcional, que dá a cada partido um número de vagas correspondente à proporção dos votos que obteve. A experiência internacional demonstra que as variantes de voto majoritário para a escolha de representantes do povo, eliminando a proporcionalidade, distorcem severamente a vontade do eleitor e favorecem os grandes partidos que estão no poder.

Outro aspecto positivo da atual legislação é a ampla liberdade de organização e ação partidária, que permite aos partidos realizarem as coligações que julgarem necessárias e adequadas para as disputas políticas.

Uma reforma política só seria positiva se fortalecesse a democracia e ampliasse a participação popular. É necessário rejeitar propostas antidemocráticas como a proibição das coligações proporcionais, que evidentemente cerceiam a expressão da vontade do eleitor através do voto.