Questão agrária: o tamanho da grilagem de terras

No momento em que a Câmara dos Deputados volta a debater o Código Florestal, dados recentemente divulgados pelo Incra reforçam […]

No momento em que a Câmara dos Deputados volta a debater o Código Florestal, dados recentemente divulgados pelo Incra reforçam um aspecto pouco debatido mas de importância fundamental: a necessidade de implementação do Cadastro Ambiental Rural que vai permitir o conhecimento sobre a regularização das propriedades. A Comissão Especial Mista que analisa a Medida Provisória (MP) 571, que trata do Código Florestal, volta a se reunir na terça-feira (28), com o objetivo de concluir a votação dos destaques apresentados pelos parlamentares.

A questão é fundamental por uma razão simples – a falta de um cadastro das terras – que é anunciado desde meados do século 19 e, por pressão dos latifundiários, até hoje não se tornou realidade, é um dos fatores da verdadeira balbúrdia jurídica em que a questão fundiária se tornou em várias regiões brasileiras, favorecendo sobretudo a um tipo de crime, a grilagem – ou, simplesmente, roubo – da terra.

Os dados divulgados pelo Incra evidenciam as consequências essa balbúrdia jurídica. Eles mostram fortes indícios da prática de grilagem em um quarto dos municípios brasileiros: em 1.355 dos 5.566 que existem no país (24,3% do total). Neles, a soma da área das propriedades registradas é maior do que a área total da zona rural do município, indicando a existência da pretensão de propriedade de mais de uma pessoa sobre a mesma área. Em estados como Rondônia, Mato Grosso do Sul e Goiás, a soma da área das propriedades registradas chega a ser maior do que a superfície dos estados!

O próprio Incra, embora com prudência, admite que esta distorção pode ser indício de grilagem e que essa sobreposição de propriedades (quando os documentos de posse indicam a existência de dois “donos” sobre uma única área) é uma forte razão de conflitos no campo, sendo responsável por um terço das mortes por disputas de terras ocorridas desde 2007.

Uma das mudanças propostas no Código Florestal pelo senador Luiz Henrique diz respeito justamente ao CAR, e ela praticamente não foi referida no debate a respeito daquele novo marco regulatório da atividade agrícola. A versão original do Código exigia que, após cinco anos de sua aprovação, os proprietários rurais só poderiam obter crédito agrícola depois de sua inscrição no Cadastro e da comprovação da regularização da propriedade de acordo com o que será estabelecido pela nova lei. A mudança feita pelo senador atenuou a exigência, liberando os fazendeiros da comprovação de estarem em dia com a lei como condição para o benefício.

O CAR será uma ferramenta fundamental para a luta contra a grilagem de terras. Ele servirá, prevê-se, para a elaboração dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) contendo, além de informações ambientais, outras que dizem respeito à regularização da posse da terra, identificando o proprietário e a comprovação da propriedade da terra, além de outras informações.

No Brasil, a luta pelo cadastro das terras é antiga, mais que secular. A Lei de Terra de 1850, que acabou com o sistema de sesmarias e introduziu a propriedade privada mercantil da terra, fez uma distinção entre as propriedades realmente existentes e as terras que, doadas em sesmarias, continuavam desocupadas. Criou assim o conceito de “terras devolutas”, isto é, reapropriadas pelo poder público. Mas o Estado, desde então, não efetivou completamente o controle sobre essas terras, abrindo uma janela para a apropriação privada, à margem da lei, e sempre com extrema violência contra pequenos posseiros ou outros moradores que, habitando-as, poderiam reivindicar a posse com base no direito de usucapião, definido em lei.

Esta precariedade legal permitiu, ensina a professora Lígia Osório Silva, a intensa difusão da grilagem de terras, sobretudo entre 1889 e 1930, mas que permanece em nossos dias, como os dados do Incra (e o noticiário dos jornais…) indicam. A professora da Unicamp calcula que as “terras devolutas” correspondem a um quinto do território brasileiro. “São áreas ameaçadas pelos grileiros”, pois o governo não tem controle sobre elas. Está na hora de começar a ter!