Roberto Azevêdo: Promessa de multilateralismo na OMC

A vitória do embaixador brasileiro Roberto Carvalho de Azevêdo para dirigir a Organização Mundial do Comércio (OMC) é um desses […]


A vitória do embaixador brasileiro Roberto Carvalho de Azevêdo para dirigir a Organização Mundial do Comércio (OMC) é um desses acontecimentos repletos de simbologias e de consequências concretas. 
Ela representa, em primeiro lugar, a reafirmação da importância que o protagonismo da diplomacia brasileira assumiu no mundo na última década, contrariando toda a torcida dos setores conservadores no próprio Brasil.

Com a eleição de Roberto Azevêdo – que pode ter alcançado cerca de uma centena de votos entre os 159 países que participam da OMC – pela primeira vez um brasileiro alcança um cargo decisivo na governança global. O país foi alçado à frente da organização que, ao lado do Fundo Monetário Internacional (dirigido por uma francesa) e do Banco Mundial (dirigido por um norte-americano), faz parte da tríade de entidades que dirigem a economia global.

Sua eleição foi – não se pode esquecer isso – uma derrota dos EUA e da União Europeia, que preferiam o candidato mexicano Hermínio Blanco. Foi uma vitória da articulação Sul-Sul, da qual a diplomacia brasileira é uma das campeãs, que inclui países de língua portuguesa e nações da América Latina, Ásia e África, e dos chamados Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Essa vitória brasileira reflete a importância crescente destes países, em contraposição ao declínio relativo das economias ricas da Europa e da América do Norte. Sua eleição é mais um signo das mudanças que alteram as relações de poder no mundo.

A Organização Mundial do Comércio foi criada em 1995 para substituir outro organismo da ONU, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) para ser uma agência multilateral de regulação do comércio. Sua atuação revelou-se, com o tempo, favorável sobretudo aos interesses dos países ricos (com destaque para os EUA) e adversa aos chamados países emergentes. Foi uma história marcada por impasses. O recordista é a chamada Rodada Doha, paralisada desde 2001 devido principalmente ao impasse entre a tentativa de imposição, pelos EUA e países ricos, da abertura dos mercados mundiais a seus produtos industrializados, a manutenção de fortes subsídios para seus agricultores, e as restrições que opõem à abertura de seus próprios mercados aos produtos primários dos demais países. É o retrato fiel da tentativa de impor regras de um liberalismo econômico de mão única, rejeitadas pelos chamados países emergentes.

A eleição do diplomata brasileiro Roberto Azevêdo para dirigir a OMC é a promessa de um efetivo multilateralismo no comércio mundial, e pode representar um obstáculo às pretensões unilaterais dos países ricos. É da superação desse impasse que depende a desobstrução da Rodada Doha, tarefa posta agora nas mãos do novo diretor-geral. Sua capacidade de negociação, aliada a uma característica muito brasileira – a cordialidade no trato das diferenças – permitem uma visão otimista a respeito do resultado dessa tarefa.

Ela vai esbarrar em obstáculos poderosos. O principal deles talvez sejam os esforços dos EUA em criar articulações regionais envolvendo a União Europeia, de um lado, e a Ásia, de outro. São dificuldades cujo cenário é uma realidade mundial em mutação e, assim, de resultados imprevisíveis.

Como bem reconheceu o chanceler Antonio Patriota, ao comemorar a vitória de Roberto Azevêdo, sua eleição reflete uma ordem internacional em transformação na qual os países emergentes demonstram liderança.

Sua eleição foi uma vitória do Brasil, da própria OMC, mas sobretudo da orientação diplomática brasileira que prevalece há uma década, cujo apanágio é a negociação e o respeito às decisões multilaterais, e rejeição à subordinação às imposições das potências dominantes.