Uma sociedade prisioneira do medo
Segunda-feira, 15 de maio de 2006, entrou para a história como o momentoonde São Paulo, que segundo se diz não […]
Publicado 16/05/2006 12:23
Segunda-feira, 15 de maio de 2006, entrou para a história como o momento
onde São Paulo, que segundo se diz não pode parar, passou o dia paralisada:
congelada pelo medo.
Policiais civis, militares e até bombeiros se entrincheiraram em suas unidades, com coletes protetores e armamento pesado, à espera de ataques do PCC. Fecharam suas portas escolas e universidades, empresas, comércio e até camelôs. Um terço dos ônibus ficou nas garagens e às 18 horas registrou-se o maior congestionamento já visto 212 quilômetros. Depois, um toque de recolher não decretado esvaziou as ruas.
Foi uma paralisia paulista, concentrada na região metropolitana da capital,
mas sintomática de uma enfermidade nacional: a criminalidade epidêmica
arrastou a sociedade brasileira para os limites do estado de pânico.
São Paulo expressou esse sentimento no surto de ontem, mas espelha-o
igualmente no seu dia-a-dia "normal". Na Metrópole de tantos paradoxos e desigualdades, o medo do crime é uma das poucas coisas que cortam transversalmente toda a pirâmide social. Até na arquitetura ele se expressa, da janela gradeada na periferia mais pobre até o muro ciclópico do condomínio de alto luxo, encimado por farpas, eletrificado, vasculhado por câmaras de vídeo e serviços privados de segurança. A sociedade vive como prisioneira.
O sentimento da emergência inibiu tentativas de exploração política do 15 de
maio, mesmo a quatro meses e meio das polarizadas eleições quase-gerais de outubro. Mas é inevitável e necessário que o tema da segurança pública ganhe espaço no debate eleitoral, mesmo que o paroxismo desta segunda-feira reflua para a "normalidade".
O episódio comprovou os limites da receita conservadora da "tolerância zero".
Aplicada com zelo em São Paulo, ela elevou a população carcerária no Estado, de 50 mil presos em 1995 para 130 mil no ano passado. No entanto, deu no que deu. A via da repressão máxima com inteligência mínima pode ter eco em segmentos, até populares, que reclamam radicalidade no tratamento do problema. Teme-se que venha a ser a rota imediata de uma fuga para adiante por parte do governo paulista. Mas já se sabe, no Brasil e no mundo, que não resolve. No atacado, apenas exacerbará a síndrome da sociedade prisioneira.
Do outro lado, é preciso reconhecer as lacunas da plataforma das esquerdas
nesta esfera. A bandeira da retomada do desenvolvimento com valorização do
trabalho e distribuição da renda constitui um pilar sólido, com reflexos benéficos sobre a segurança estatisticamente comprovados. É uma condição
necessária; mas não suficiente. Há que complementá-la com a construção de um programa específico no âmbito da segurança pública, de curto, médio e longo prazo, que vá do âmbito policial ao social e dê resposta concreta a este
problema concreto. Foi esta a mensagem do dia de paralisia em São Paulo. É o que reclama uma sociedade que aspira se libertar nas grades do medo.