Voto distrital é curral eleitoral; por isso é preciso derrotá-lo

Em tempos de reforma política os conservadores, como não poderia deixar de ser, querem puxar a brasa para sua sardinha e uma campanha pelo voto distrital começa a se delinear, puxada por setores atrasados da burguesia e da classe média alta, para reunir um milhão de assinaturas em um abaixo-assinado em defesa dessa forma restritiva de votar.

As alegações em sua defesa são irrisórias e frágeis. Dizem que é uma forma de votar que reduz a corrupção, aproxima o eleitor de seu representante, e aumenta o poder de decisão do cidadão.

Estas alegações beiram a má-fé ou a ignorância. O voto distrital já foi usado no Brasil no Império e na República Velha, sendo condenado por impedir a representação das minorias, rebaixar a representação parlamentar (os deputados estaduais e federais passam ligar-se mais às questões paroquiais de seu distrito e menos aos grandes temas coletivos e nacionais), e por transformar os distritos em verdadeiros currais eleitorais comandados por notáveis de aldeia.

A principal característica (e defeito fundamental) do voto distrital é a inevitável distorção da representação política que ele representa. Em artigo recente, publicado no Valor Econômico, o analista político Alberto Carlos Almeida dá a base matemática dessa distorção. Um partido pode eleger a maioria dos deputados federais obtendo apenas 25% dos votos populares: para isso ele precisa obter metade dos votos (50%) em metade dos distritos (50%). Metade da metade dos eleitores – isto é, um quarto deles.

Esta é a matemática eleitoral perversa que conduz, em todos os países que usam esta maneira de voto pouco democrática (particularmente Estados Unidos e Inglaterra) a um sistema de dois partidos, no máximo três, sem chance de representação política para outras correntes de opinião, que ficam obrigadas a acomodar-se a um destes partidos e a submeter-se a seus caciques, se quiserem ser agraciadas com pelo menos um candidato para apresentar suas ideias perante o eleitorado.

O voto distrital destrói os partidos e falsifica as eleições. Esteriliza votos de opinião que se apresentam geralmente dispersos geograficamente e pouco concentrados em distritos. Mesmo alcançando 10% dos votos nacionais, uma corrente de pensamento A estará fora da representação parlamentar, pois os 10% de um distrito não se somam aos 10% de votos nos demais distritos, sendo assim literalmente jogados fora. Em consequência, os 10% de eleitores que concordam com aquela corrente de pensamento A são radicalmente excluídos da representação parlamentar e destituídos de voz nos assuntos nacionais.

Um artigo publicado na retrógrada e direitista Veja (7/9/2011) apresenta outro argumento a favor do voto distrital: ele destrói a representação operária e popular: as bancadas de deputados ligados a sindicatos (ou aos movimentos sociais, poderia ter acrescentado) ficariam severamente reduzidas; 35 deputados ligados a sindicatos teriam deixado de serem eleitos em 2010 se o voto fosse distrital.

O autor daquele artigo comemora como uma “vantagem” o fato de que os votos de uma base operária dispersa enfraqueceriam “o pode de fogo” de um candidato ligado a um sindicato. O partido mais prejudicado na eleição passada, caso o sistema de voto fosse o distrital, teria sido o PT, que elegeria menos oito deputados federais; o PCdoB teria deixado de eleger cinco, reduzindo sua bancada de 15 para 10 parlamentares.

O voto distrital (puro ou misto) é um retrocesso eleitoral que favorece os conservadores, a direita, o poder econômico, os interesses locais e os caciques partidários. Por isso, precisa ser combatido com vigor por todos os democratas. É conhecida a opinião de Tancredo Neves que, no ocaso da ditadura militar, rejeitou esta forma de votar pois levaria à eleição do padre, do comerciante, do prefeito, das notabilidades paroquiais, para a Câmara dos Deputados, amesquinhando o tratamento político das grandes causas sociais. Tancredo Neves raciocinava de olho na experiência distrital do Império e da República Velha com seus currais eleitorais oligárquicos aos quais se reduzem, lembrou Walter Sorrentino, em artigo recente, os distritos eleitorais.

Alega-se que o voto distrital aproxima o eleitor do eleito e limita a manifestação do poder econômico. Não é verdade. Os distritos eleitorais, em São Paulo, teriam 430 mil eleitores – fazendo parte de unidades imensas com algo em torno de 600 mil habitantes. Daí a pergunta: onde, em unidades tão grandes, existe a tal proximidade entre o eleitor e o eleito, mesmo tratando-se de vereadores?

Além disso, a proximidade "geográfica" é artificial; ela só é efetiva quando há coincidência programática e de pensamento, facilitada no âmbito partidário, e não municipal ou distrital. Além disso, todo parlamentar, não importa o sistema eleitoral (distrital ou proporcional), está naturalmente em constante contato com sua “base”.

Quanto ao poder econômico, a experiência do voto distrital pelo mundo afora tem mostrado o contrário do que se alega: no distrito, ele fica mais concentrado e é exercido de forma mais efetiva, esmagando oponentes mais pobres. Era o combustível do mando oligárquico nos velhos currais coronelísticos do Império e da República Velha.

Há mais de 150 anos, em 1868, o escritor e político do Império, José de Alencar, se insurgiu contra o sistema distrital (a “lei dos círculos” de então) defendendo a superioridade do voto proporcional (o modelo que o Brasil adotou a partir da década de 1930). “É evidente”, escreveu, “que um país estará representado quando seus elementos integrantes o estiverem na justa proporção das forças e intensidade de cada um”.

O autor de O Guarani tinha razão. O princípio democrático mais efetivo é aquele que garante a participação política de cada corrente de opinião na medida de sua força social e política. E, à medida que a democracia se aprofunda e consolida, este princípio – representado pelo sistema proporcional – garante a ampliação da participação de candidatos e partidos ligados ao povo, à sua luta e aos seus interesses.

Daí o desespero dos setores mais conservadores e reacionários, dos sem voto ou com voto declinante, em impor um sistema de votação no qual, com pouca representatividade política, possam continuar exercendo um poder político que não corresponde mais à sua expressão na sociedade. Quem defende o voto distrital são estes com voto declinante que pretendem barrar, no tapetão legislativo, a livre e ampla expressão da maioria do povo e dos trabalhadores. Precisam ser denunciados e suas pretensões derrotadas, em benefício da consolidação e avanço da democracia.