Trilogia da Geada, quando o cotidiano vira literatura

Poeta, músico e escritor, talvez não nesta ordem, Luiz Felipe Leprevost é um dos grandes da literatura paranaense que ganham o mundo. O poeta sobe ao palco e faz da palavra sua principal artimanha, seja cantada, falada, gritada… Mas quando escrita é de uma singeleza que nem parece o mesmo músico desbocado dos bares curitibanos.

Por Mariana Serafini, do Vermelho

Luiz Felipe Leprevost - Divulgação

Contemporâneo, Leprevost faz parte de uma leva de escritores que transformam o cotidiano em literatura de primeira. Autor de diversas obras, trabalha agora em um novo projeto: a Trilogia da Geada que começou com a novela E se contorce igual a um dragãozinho ferido em 2011, o segundo livro da série, Dias Nublados, será lançado este ano e o terceiro ainda não tem data, apenas um “título provisório”, Divagações térmicas.

Uma obra universal, E se contorce igual a um dragãozinho ferido, se passa em Curitiba e no Rio de Janeiro, mas a história frenética de Júlio e Nanda poderia ser em qualquer lugar. Cativante e intenso, o livro é facilmente devorado em horas, o que deixa uma vontade de continuar. Dias Nublados chega para trazer cor ao cinza curitibano, assim como fez o “dragãozinho”.

Leprevost é autor de diversas obras, entre elas Inverno dentro dos tímpanos(2008), Barras antipânico e barrinha de cereal (2009), Manual de putz sem pesares (2011), Salvar os Pássaros (2013). Além do livro de poemas Ode Mundana (2006). Costuma dizer que seu maior desafio é escrever “o grande romance de Curitiba”. Que os dias nublados lhe proporcionem divagações térmicas o suficiente para atingir seu objetivo!

Veja um trecho de E se contorce igual a um dragãozinho ferido:

“Há poucas horas pensava que só a encontraria morta, agora ela estava ali. Fiz um carinho em sua testa relaxada. Embalei seu sono com uma cantiga de fogo brando. Beijei levemente a face que o desespero também tinha beijado. Chorei baixo. Lá fora fazia um tempo constipado. Estava tudo bem agora. O medo de perdê-la tinha desaparecido. Éramos peixinhos frágeis nesse mundo ilimitado. Colecionadores de fragilidades naufragadas. Estávamos doentes. Nanda podia ter morrido. Agora que tipo de paz se aconchegava dentro dela quando as pálpebras se fechavam? Eu já sabia que seus olhos eram catedrais onde missas badalavam com fé. E o silêncio jantava jardins recônditos, oásis e paraísos escondidos no vasto deserto do sono. Ao vê-la adormecer queria ter escrito uma canção de ninar e povoar seus sonhos ora escuros feito o mar. Uma canção que fosse não um crucifixo esquecido nalguma gaveta do passado e que já não intervinha por nós. Mas uma reza pontiaguda e luzidia que aniquilasse meu desamparo de perdê-la para sempre, se é que isso já não tinha acontecido. Segui compondo seu sono madrugada dentro. Segui fazendo o que sabia pouco: cuidar do meu amor. Minha maneira de rezar era vê-la respirar dormindo. Eu era uma pedra inquieta no meio da madrugada. E, sim, esse é o poema de um sonâmbulo. Fui até o armário, peguei outro cobertor de flanela e ajeitei sobre ela. E fiquei ali sentado, segurando sua mão. O amor exige no mínimo a palma da mão.” (Fragmento do romance E se contorce igual a um dragãozinho ferido)