A volta em grande estilo dos “marginais” da poesia 

Do mimeógrafo à multimídia: poetas de Brasília lançam antologia “Dos 70 aos 70”, dia 22/8, no Bar Beirute Sul, capital federal

Foto: Minervino Júnior

Oito poetas brasilienses da geração dos anos 1970, que inclui a chamada “geração da poesia marginal” ou “geração mimeógrafo”, vão celebrar o cinquentenário dessa não-escola poética com o lançamento de uma antologia intitulada “Dos 70 aos 70”, no próximo dia 22/8, às 18h30.

O local escolhido não podia ser outro que o bar Beirute Sul, em Brasília, onde alguns, da então jovem turma de escrita e feitio editorial/gráfico livres em conteúdo e forma, surpreendiam os frequentadores recitando seus versos e vendendo pelas mesas, de mão em mão, os seus livrinhos mimeografados – hoje relíquias da rebeldia poética brasiliense à ditadura militar em vigor. 

A boa nova de agora é que a polifonia contida na antologia é literal, com a inovação tecnológica da inserção de QR Code nas páginas permitindo levar os poemas, nas vozes dos poetas, às mãos e à escuta do leitor. 

Vicente Sá, José Sóter, Noélia Ribeiro, Nicolas Behr, Luiz Martins da Silva, José Carlos Vieira, Francisco Kaq e Angélica Torres ganharam cada um 15 páginas para expor seus versos, antigos ou novos, inéditos ou não. Tiveram também liberdade gráfica ao gosto de cada um, de forma a ser apresentado aos leitores um conjunto de “livrins”, como aquelas publicações dos anos 70 foram carinhosamente apelidadas por Sóter – o editor e realizador da empreitada. 

Semim, a editora independente de Sóter, propicia a irreverência editorial e a novidade multimídia inteiramente coerentes com o que representou e ainda representa a dita geração dos “poetas marginais” – aliás, bem maldita pelos poetas oficiais, acadêmicos e críticos de então. Hoje, no entanto, a poesia dos anos 70, praticada por esses respeitáveis jovens agora na faixa etária dos 60 e 70 anos, tem sido objeto de estudo em dissertações e teses. 

Não à toa, o também poeta Wélcio de Toledo, PhD em Literatura pela UnB, foi convidado a prefaciar a publicação, cuja arte da capa é assinada por Rômulo Andrade, artista visual da mesma geração 70. Na contracapa, os oito poetas aparecem na foto de Minervino Júnior, caminhando lado a lado na plataforma da Rodoviária de Brasília, monumento do urbanista Lucio Costa e ícone e musa desses poetas, assim como de roqueiros letristas da cidade. 

Há muito a contar sobre toda essa história que, pelas mãos de seus literatos e artistas, engendra candangos e brasilienses num só corpo cidadão da capital do País. Mas Dos 70 aos 70 é só um brinde, a leitores, de um panorama livre em palavras e estética – e o seu lançamento, uma comemoração à volta da democracia ao Brasil, com direito a sarau dos autores e bate-papo com a plateia. 

E mais!: a participação da lendária banda Liga Tripla e uma pala do músico e poeta Renato Matos, além de homenagem especial ao saudoso poeta e letrista entre os candangoianos, Paulo Tovar – todos eles, artistas oriundos da Geração 70. 

“Dos 70 aos 70” – Lançamento da Antologia: no Beiras Cultural do Bar Beirute (109 Sul), em 22.08, terça, a partir de 18h30, reunindo oito poetas da “geração marginal” brasiliense. Selo: Semim Edições. 144 págs. Preço de capa: R$ 48. Designer gráfico: Alex Silva. Capista: Potyguara Pereira Netto. Coordenação editorial: José Sóter. 

Leia abaixo “Dos 70 aos 70 – Uma breve antologia”, por Luis Martins da Silva

“Breve”, com pelo menos três sentidos. Nem ampla em número de participantes, nem em tamanho (um livro pocket), nem abrangente por autor, pois cada um deles é de longo percurso em livros e múltiplas militâncias culturais no DF, desde meados da década de 1970, quando se dedicavam à construção da identidade de poeta, ao mesmo tempo em que Brasília ia se consolidando como Capital e expressão urbana e política. 

Uma antologia candanga ou brasiliense? Tarde para a primeira, cedo para a segunda. Esses poetas ora convidados não nasceram no Distrito Federal, tampouco são pioneiros como foram os seus pais. Se bem que ainda são de pioneirismos outros: máquina de datilografia; mimeógrafo; ficha telefônica; fita cassete; e confrontos variados: contra uma ditadura e contra diversos arrochos. 

Na década de 80, guitarra era uma fortuna e computador, idem. Na poesia e em outras parcerias, a maioria fez parte da chamada “geração dos poetas marginais” e batalhou por espaços anteriores ao Espaço 

Renato Russo, outrora chamado de Galpão, Galpãozinho, Centro de Criatividade e Galeria Cabeças, entre outros nomes. 

E quanto a livros? Batalhas não menos complicadas. Se o DF é, em termos de população, a terceira maior região metropolitana do Brasil, o seu imenso parque gráfico fez fortuna, sim, mas a serviço da máquina burocrática: bilhões de blocos e envelopes timbrados; uma produção gigantesca de “livros” oficiais e de publicações no âmbito da denominada “publicidade legal” e suas tiragens diárias e documentais: diários da União, da Justiça, do Congresso, do GDF etc. etc. 

Poesia? Ora, ora! Dá para pegar carona na super mega Gráfica do Senado? Risos. Melhor combinar com a próspera Semim Edições e com o editor Sóter e ele acenar com o seu sorriso camarada de sempre, afirmando: “Deixa comigo”! 

Beirute? A referida antologia surgiu de um bate-papo no “Beira Norte” (o Bar Beirute da Asa Norte), quando se deduziu o fim da “pandemia” como hora de se reacender uma velha chama e se reanimar um agora velho talento – de tirar leite de pedra não! De extrair licor do pequi e de outras preciosidades do Cerrado, das Águas Emendadas e das lições de coragem e bravura, que têm sido a marca de quem por aqui chegou ainda criança ou jovem e foi atrás do que a terra dava mostras em fertilidade e em originalidade. 

Esperam os oito poetas setentões, ou quase, aqui reunidos, que esse projeto-piloto de livro se demonstre como uma semente pródiga a inspirar muitas outras. São eles: Angélica Torres Lima, Francisco K, José Carlos Vieira, Luis Martins da Silva, Nicolas Behr, Noélia Ribeiro, José Sóter e Vicente Sá. 

Luis Martins da Silva é também jornalista, professor na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) e autor de vários livros de poemas, entre eles, Comigo foi assim (1977), Brasilinhas (1980) e Pa-Lavras (2009). 

(PL)

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