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Adalberto Monteiro: As delícias do amargo

*

— Engole o choro menino, engole!
A austera mão paterna
Proporcionou-me prazeres
Que sem ela não desfrutaria jamais.


 


É um ultraje, no sertão, rejeitar qualquer alimento.
Roer a casca da banana,
Comer vivos uns invertebrados
De nome saramundongo,
Puro azeite do coco tucum.
Peba, marreco, macaco, preás,
Miúdos de pássaros impregnados de pólvora.


 


E o quiabo cozido?
Quanto foi difícil entregar-me
Ao seu visgo e gosma.
Era engolir um liso peixe, vivo.


 


Mas afora o exótico
Da culinária sertaneja,
A severa didática paterna
Conduziu-me às delícias do amargo.
Sorver lentamente a poupa do jiló,
Com os dentes triturar o miolo da jurubeba.
(E mais tarde, já aqui, saborear o amargado
da gueroba).
Ah! travor adstringente, delícia adulta, rústica.
As papilas fremem
Ante este horror tão envolvente.
Passei a saber o quão ingênuo
É o reino do açúcar.


 


Entre tantos agradecimentos
Devo às severas regras de meu pai
A pluralidade do meu paladar.
Sem o que teria ficado
Nos monótonos domínios do mel.