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Antônio Carlos Affonso dos Santos: Ipês 

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Conheci os ipês na minha infância, numa fazenda de café no interior de São Paulo. Extasiava-me aquelas árvores soberbas, vestidas de roxo, amarelo e branco. Conforme aprendi com os mais velhos, aquela era uma árvores sagrada, posto que o Criador havia feito um trato com ela (árvore) para que se vestissem de festa para mostrar que a cada ano, a vida se renova no final do inverno e chegada da primavera. O ipê roxo e o branco florescem em agosto, o amarelo no final de agosto e início de setembro, quando anuncia aos trabalhadores do campo que já é hora de preparar a terra para mais um cultivo de arroz e de milho.


 


 


O ipê (amarelo) é a árvore símbolo do Brasil. O nome ipê vem da língua tupi, e pronuncia-se “ype”, e significa “árvore com casca grossa”. A designação científica do ipê é: gênero Tabebuia, da família das Bignoniáceas. A madeira do ipê é muito comercializada, especialmente para revestir pisos, devido à sua alta resistência. A casca do ipê roxo é considerada uma panacéia para muitos males, inclusive para prevenção contra o câncer. Como curiosidade, destaco outros nomes com que os ipês são conhecidos no Brasil: páu-d’arco, peúva, peroba-de-campos, entre outros.


 


 


Mês de agosto. O inverno no seu último estágio. Os pastos, ressequidos pela ação das geadas, abrigava um gado magro e sonolento. Com pouco para comer nas invernadas e piquetes, os animais aguardavam com paciência bovina e eqüina, o pouco de ração de cana picada e milho silado em trincheira, que o fazendeiro sovina nunca queria fazer na quantidade suficiente. A poeira levantava, com os redemoinhos de sacis dos ventos mogianos nas estradas secas, onde os roceiros de pés descalços, rachados pela ação frio e da terra alcalina, caminhavam nos campos, onde os ipês solitários, coloriam aquele resto de inverno, com sua melhor e mais bonita roupa floral estampada. O inverno, normalmente uma estação triste e cinzenta, vestia-se de alegria com os ipês floridos.  Uma vez ouvi de alguém que quando somos crianças “o tempo corre devagar”. Naquela época, o tempo era diferente: era moroso como as vacas que voltam no fim da tarde, com os úberes murchos, mas com esperança de rever seu filhote e quiçá comer uma iguaria, que tanto pode ser sal ou cana picada, ou silagem. Tudo andava ao ritmo da natureza, nos seus estágios e estações naturais.


 


 


E os bosques da Fazenda São José ficavam todos enfeitados por dezenas de ipês floridos. Havia o ipê roxo, o ipê rosa, o ipê branco, o ipê amarelo. Muitos anos depois, já na vida citadina, soube da existência do ipê verde, tão raro quanto bons leitores ou beija-flores vermelhos. Há um consenso no interior do Brasil que o ipê tem sentimentos iguais aos dos humanos: se ficamos concentrando nossa energia, focados na realização de um sonho, de repente tudo muda. E muda para melhor. Este “Ponto de Desequilíbrio” faz com quê pessoas das quais nada se espera, num momento de superação, fazem algo que nos surpreende, que vai além das previsões mais otimistas.


 


 


O ipê (amarelo) é a árvore símbolo do Brasil. O nome ipê vem da língua tupi, e pronuncia-se “ype”, e significa “árvore com casca grossa”. A designação científica do ipê é: gênero Tabebuia, da família das Bignoniáceas. A madeira do ipê é muito comercializada, especialmente para revestir pisos, devido à sua alta resistência. A casca do ipê roxo é considerada uma panacéia para muitos males, inclusive para prevenção contra o câncer. Como curiosidade, destaco outros nomes com que os ipês são conhecidos no Brasil: páu-d’arco, peúva, peroba-de-campos, entre outros.


 


 


Há uma lenda que conta a origem do ipê. Ela diz o seguinte:


 


 


“Naqueles tempos, o inverno estava nos seus últimos dias e todas as árvores da floresta estavam começando a florescer. Somente os ipês continuavam sem flores. Os ipês, cada vez mais se entristeciam com aquela situação. Eles eram os únicos que não tinham nem flores nem frutos. Então, os amarelos canários da terra, percebendo a tristeza dos ipês, resolveram fazer seus ninhos somente nos galhos de um dos ipês. E ninhais também foram feitos pelas araras vermelhas e azuis e os sanhaços em outro; as garças brancas em outro, as siaciras em outro, e num outro ipê menos imponente, foram os periquitos, jandaias, maritacas e papagaios. Os ipês ficaram muito felizes e resolveram pedir à Providência Divina que lhes dessem flores, como forma de agradecimento aos canários da terra, e a todos os outros pássaros da floresta, pela alegria que tinham levado a eles. No dia seguinte, dizem; sob o mais belo céu azul que aqueles sertões já conheceram, os ipês floresceram, em várias cores. E cada um dos ipês se vestiu nas cores e matizes dos pássaros que os havia adotado. Quando tudo aconteceu, era agosto. E assim, desde então, os ipês têm florescidos em agosto. Agora, a cada agosto, um vento frio sopra desde os sertões do Brasil: é a Providência divina anunciando que ainda mais uma vez os ipês florescerão, cumprindo a aliança entre Deus e a Natureza. As cores dos ipês são, portanto, expressão de um milagre do amor de Deus pela natureza e pelos seres que vivem na Terra”.


 


 


Mas agora, de repente, esta árvore de outros espaços irrompe no meio do asfalto, interrompe o tempo urbano de semáforos, buzinas e ultrapassagens, e eu tenho de parar ante esta aparição do outro mundo. Como aconteceu com Moisés, que pastoreava os rebanhos do sogro, e viu um arbusto pegando fogo, sem se consumir. Ao se aproximar para ver melhor, ouviu uma voz que dizia: “Tira as sandálias dos teus pés, pois a terra em que pisas é santa”.


 


 


Acho que não foi sarça ardente. Deve ter sido um ipê florido. De fato, algo arde, sem queimar, não na árvore, mas na alma. E concluo que o escritor sagrado estava certo. Também eu acho sacrilégio chegar perto e pisar os milhares de flores caídas, tão lindas, agonizantes, tendo já cumprido sua vocação de amor.


 


 


Mas sei que no espaço urbano as coisas fluem diferente. O milagre da floração dos ipês é visto por muitos moradores dos centros urbanos como canseira para a vassoura.


 


 


-Melhor o cimento limpo que a copa colorida, dizia uma minha conhecida.


 


 


Não raro, sei de casos de pessoas que, por se cansarem de varrer as flores do ipê caídas no piso do quintal ou na frente das casas, atacam os ipês. Outras árvores são também castigadas pela ignorância dos humanos. Lembro-me de uma araucária numa rua ao lado do escritório no qual eu trabalhava. Indefeso, com sua casca cortada a toda volta, e furos de broca. Meses depois, estava morto, seco. Restaram somente dois ninhos de bem-te-vis; um com filhotes e outro com ovos. Numa manhã qualquer, passei sob o grande pinheiro seco e os dois ninhos estava no chão, talvez arrancados por uma ventania, talvez derrubados pela mesma mão assassina que matou o pinheiro. Num dos ninhos estavam os fetos de dois filhotes, no outro as cascas de quatro ovos quebrados.


 


 


Mas no final, o que importa é o ritual de amor que o Criador faz manifestar-se no inverno. Ele espalhará sementes pela terra e a vida triunfará sobre a morte, o verde arrebentará o asfalto, e as flores em tons roxo, rosa, amarelo e branco; enfeitarão nossas cidades, ano após ano. Alguns poucos ainda verão os ipês de flores verdes, que tanto procuro e nunca vi. Espero ansioso e esperançoso, que um dia o ser humano respeite a natureza. A despeito de toda a nossa loucura, os ipês continuam fiéis à sua vocação de beleza, e nos esperarão tranqüilos todos os agostos e setembros de nossa curta vida, por toda a eternidade. Todo ano temos um encontro marcado: nos meses de agosto e setembro, devemos nos preparar para ver e sentir a floração dos ipês, pois ainda haverá de vir um tempo em que os homens e a natureza conviverão em harmonia e os ipês serão os ícones desse Novo Tempo.