Celso Marconi: Leon Hirszman, curso de cinema e Cine Ceará

É fundamental ver como hoje já se olha todo o nosso cinema latino como uma unidade

Em 3 de dezembro, tivemos a quinta aula do curso de produção do site ContrapoderBR. Ela foi ministrada pelo professor Reinaldo Cardenuto, que é especialista em Leon Hirszman e escreveu um livro biográfico sobre esse cineasta, lançado recentemente. Uma aula excelente, embora tenha sido mais uma narrativa histórica sobre o filme Eles Não Usam Black-Tie, obra que foi produzida por Leon em 1981 a partir da peça teatral de Guarnieri de 1956.

Reinaldo comentou que já dedicou cerca de 15 anos da sua vida para estudar a vida de Leon. Esse estudo resultou em tese de mestrado e também no livro – e não sei se outros produtos. Reinaldo faz uma análise entre o conteúdo da peça e do filme mostrando como o filme, feito em conjunto por Hirszman e Guarnieri, atualizou a situação para estar de acordo com o que o Brasil vivia em 1956 e depois em 1981, quando ainda estávamos na ditadura militar. Penso que esse livro é fundamental para se conhecer em profundidade o Leon Hirszman, que é realmente um cineasta que ocupa um espaço essencial na história do cinema latino-americano. Gostaria de saber se temos o e-book dele, que é a forma que me serve para leitura hoje.

Na quinta-feira seguinte, como veremos adiante, foi a vez da aula 6 e final desse curso. A aula foi da professora Daniela Gillone, sobre Heróis da América-Latina. O curso está no site ContrapoderBR, no YouTube. Muito bom todo ele, em seis aulas.

(Olinda, 3. 12. 2020)

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ENCERROU O CURSO DE CINEMA NO CONTRAPODER

Na quinta-feira 10, aconteceu a última aula do Curso de Cinema e Audiovisual na América Latina, que foi promovido pelo site ContrapoderBR. Ela foi ministrada pela professora da USP Daniela Gillone, que falou sobre os movimentos rebeldes desse cinema. Daniela falou cerca de hora e meia destacando manifestos lançados por cineastas da Argentina, Chile, México e Brasil, inclusive os manifestos glauberianos que deram início ao nosso Cinema Novo.

Começou narrando os movimentos gaúchos na Argentina, os movimentos bandoleiros no México e os cangaceiros no Brasil. Falou muito tempo e talvez isso tenha diminuído a contextualização da aula. Possivelmente, deveria ter dado algumas pausas e também não ter misturado um pouco os assuntos. Mas, enfim, tudo o que ela disse é de grande importância para o estudo do cinema latino-americano e para mim – tínhamos dificuldade em assistir a filmes de outros países do nosso continente. É fundamental ver como hoje já se olha todo o nosso cinema latino como uma unidade.

Cassiano Terra Rodrigues, que foi o coordenador do Curso, fez no final uma interrogação não só para Daniela, mas para qualquer espectador que se interessa pelo cinema rebelde. Cassiano levantou uma questão bem antiga e que eu mesmo já tentei há anos – nos anos 70 – no festival de Salvador promovido por Guido Araújo: “Como fazer o grande público se interessar pelo cinema rebelde?”.

A questão é muito fundamental e longa e passaria particularmente por muitos estudos sociológicos. Da minha experiência pessoal, sempre senti que os cineastas não gostam de falar disso, pois consideram que “cada um faz o cinema que achar melhor”. E em função de manterem essa liberdade falsa não conseguem conquistar o público. Só os que têm mais senso comercial.

Mas, enfim, esse Curso de Cinema está no YouTube e poderá ser visto por quem se interessa pelo estudo do cinema. E não o cinema que é “a maior diversão”, mas, sim, o cinema que ajuda a desenvolver a humanidade. Como diz Cacá Diegues, o pensamento dos cineastas não é nada menos do que fazer filmes para modificar o mundo.

O coordenador do Curso botou embaixo de sua tela a inscrição “vacinado contra estupidez”. A professora Daniela falou de filmes como La Hora de los Hornos, Deus e o Diabo na Terra do Sol e até O Cobrador, que é um filme recente feito no Rio, mas esqueceu de citar O Baile Perfumado.

[Olinda, 12. 12. 2020 (que data, tem dois 0, dois 1 e quatro 2)]

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ENCERROU O 30º CINE CEARÁ

Festival é certamente um dos principais pontos de apoio para atrair espectadores ao cinema. Sem dúvida. E o fato de um Festival ter essa longa duração, como está acontecendo com o Cine Ceará, é muito bom. E eles inovaram para enfrentar a pandemia. Assim, o festival aconteceu no cinema São Luiz – de Fortaleza, que é mais velho do que o São Luiz do Recife – e através da web em vários setores. Principalmente os curtas-metragens, os debates, as sessões de início e fim aconteceram no São Luiz e no teatro José de Alencar. Todos foram transmitidos pelo YouTube.

A restrição que faço a essa 30ª edição do Cine Ceará é a seleção feita para os filmes de longa-metragem em concorrência. Houve evidentemente uma escolha buscando eliminar a presença do chamado “cinema rebelde”. Os sete filmes concorrentes foram bons como cinema, mas fugiram ao complexo drama social que a humanidade em conjunto está vivendo hoje. E não falo na pandemia, não; falo de todo o conjunto de problemas que o ser humano enfrenta.

A premiação foi especialmente uma obra de intuição política, com o prêmio de Melhor Filme para A Média Voz, obra feita por duas cubanas, Patrícia Perez Fernández e Heidi Hassan, que vivem como imigrantes – uma em Genebra, outra na Galícia. E se correspondem carinhosamente buscando no fundo a crítica ao governo cubano pela sua maneira de ser. Não críticas específicas. Inclusive são moças de 40 anos de idade e que estudaram na famosa Escuela Internacional de Cine de San Antonio de los Baños que funciona nas proximidades de Havana.

Outro filme também premiado foi o Érase una vez en Venezuela, que é uma coprodução de vários países, inclusive do Brasil. Ele foi filmado em um período de cinco anos, buscando acompanhar e desclassificar o governo Chávez e também o atual, de Maduro. Como o cubano, é uma produção bem realizada que busca explicitar uma crítica quase de quem não tem posição política, mas uma visão “imparcial”. A direção é também de uma mulher, Anabel Rodriguez. A ação documentada é com uma comunidade que fica no Congo Mirador, uma espécie de bairro numa região de muita produção petrolífera. Inclusive esse filme ganhou ano passado um prêmio do Oscar.

Pernambuco foi representado no Cine Ceará pelo filme A Morte Habita à Noite, produção do caruaruense Eduardo Morotó, que se inspirou no romance The most beautiful woman in town, de Charles Bukowski. O filme ganhou o prêmio de Melhor Ator para Roney Vilela, que é de São Paulo. Mas as atrizes são pernambucanas. Para mim, foi surpreendente, pois não conhecia nem nunca tive ouvido falar de Eduardo Morotó.

E a maior surpresa é ver um filme que não se parece com algo nordestino. Entretanto, é um trabalho de excelente nível técnico e com realmente grandes interpretações. Teve uma entrevista com o diretor em que ele se mostrou um pleno caruaruense. Notável. Disse que leu o livro de Bukowski aos 17 anos e ficou pensando nele, e quando conheceu Roney Vilela fez primeiro um curta – de nome parecido – e seguiu para o longa. Sua construção demorou cerca de cinco anos. Será que fará sucesso de público?

Outro filme concorrente e muito premiado foi Blanco en Blanco, dirigido pelo chileno Théo Court. Um muito bem realizado filme. Estranho na sua aparência e na sua estória. Um fotógrafo que vai filmar numa região inóspita um casamento e termina se envolvendo com a beleza e juventude da noiva. Tudo foi filmado na região da Patagônia, na Argentina, vizinha do Chile.

(Olinda, 13. 12. 2020)

A MORTE HABITA À NOITE

Eu revi o filme de Eduardo Morotó, A Morte Habita à Noite, pois considerei que na primeira visão eu não sabia de quem era o filme e apenas ouvi de Urariano Mota que seria de um pernambucano. E assisti ao filme pela primeira vez sem notar realmente as cenas mais reveladoras da ambientação do Recife. O que acontece no Mercado de São José poderia ter acontecido em qualquer zona de um mercado, principalmente numa grande cidade pobre. Não é distinção real. E apenas uma atriz principal é do Recife e não me tocou muito o seu sotaque na primeira visão. Aconteceu que, na primeira vez em que vi o filme, pulei um pedaço e justamente pulei a cena da ponte da Boa Vista, certamente a mais caracterizada de toda a obra cinematográfica.

É surpreendente a maturidade de A Morte Habita à Noite quando se pensa que se trata do primeiro longa de um autor. Mas a verdade é que Eduardo Morotó é um cineasta com muita maturidade, ganha pelos seus trabalhos cinematográficos de curta-metragem e pelo que deve ter lido e visto na sua realidade do dia a dia. Um de seus curtas já havia começado a contar essa estória de Bukowski. Como aconteceu com Camilo Cavalcante – que antes de realizar o longa A História da Eternidade já havia feito um curta com esse mesmo nome –, Morotó preferiu modificar um pouco o título do longa e ele disse que foi para preservar o primeiro trabalho sobre o tema.

Temos que olhar com distinção para a situação social dos personagens. Não são pessoas miseráveis que vivem na miséria, mas pessoas que aparentam ser da classe média e que fugiram propositalmente da luta imposta pela sociedade para alguém que queira se manter “bem posto”. Isto é bem próximo do que me parece acontecer com Charles Bukowski. Alguém que não aceita perder a vida lutando pela sobrevivência e enfrentando assim a morte de cara. Seja o que Deus quiser. E o filme do caruaruense consegue se manter muito bem bukowskiano.

Na estória, o personagem Raul – que foi vivido pelo ator Roney Villela e que mereceu realmente o prêmio de interpretação – vive um primeiro tempo com uma mulher negra (Mariana Nunes). Na segunda parte é uma atriz branca – a pernambucana Endi Vasconcelos – que sendo mais jovem é tratada com certa suspeição por Raul. E tem uma terceira cena em que surge uma terceira personagem branca e numa cena mais curta e misteriosa – feita pela atriz Rita Carelli, que me parece paulista.

Pensei que teríamos ganhado uma certa dimensão surrealista e mais tensa se, em vez de mudar de atriz da segunda para a terceira cena fosse mantida na terceira cena a mesma atriz da segunda cena. O espectador ficaria matutando mais um pouco, justamente com a morte que é o grande personagem surreal da realidade fílmica.

(Olinda, 14. 12. 2020)

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