Celso Marconi: Uma resposta ao amigo Urariano Mota

Em vez de julgar a capacidade da arte de ser mais ou menos que outra arte, prefiro pensar que tudo depende mais do fruidor

Meu amigo Urariano Mota, um dos melhores romancistas deste estranho país chamado Brasil, mestre da juventude, escreveu em torno da paródia das artes literárias e cinematográficas. No seu texto, ele me marcou como uma espécie de julgador para comentar em torno do valor artístico da literatura ou do cinema – temática tão ampla que nunca caberá numa crônica.

Eu talvez pense que julgar o específico literário ou o específico cinematográfico não seja possível para ninguém. Talvez seja uma pergunta para ser respondida por um deus grego. Ou talvez não, seja simples pelo histórico da arte. E, nesse sentido, o Cinema e todos esses momentos da Arte digital perdem para a Literatura, pois são realmente pouco longas em idade. Como pode ter maturidade uma arte como o Cinema, que tem pouco mais de cem anos de vida?

Sem dúvida, a arte se julga por quem a criou. Mas também pode ser julgada por quem a frui. O leitor ou o espectador. Cada um pode ter seu julgamento e ele, julgamento, ser válido. Por exemplo, no caso do filme e do romance Vidas Secas, haverá quem julgue melhor o filme e quem, pelo contrário, julgará melhor o livro. E tal coisa não deveria causar espanto. Tanto o filme feito por Nelson Pereira dos Santos quanto o livro feito por Graciliano Ramos são produtos excepcionais. Quem terá maior satisfação em fruir um ou outro produto é de cada um que ler ou assistir à obra. Eu, por acaso, sempre gostei mais do filme, embora adore o livro.

Outra coisa: fui um leitor por longos períodos na Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco, quando ela ficava na rua do Imperador, em frente ao antigo Jornal do Comércio. Lá eu lia durante o dia romances do autor russo Dostoiévski. E anos depois fui um espectador de filmes do cineasta italiano Luchino Visconti e tenho ainda hoje grande paixão pelo seu filme Rocco e Seus Irmãos. Será que conheci mais o povo russo e sua cultura lendo Dostoiévski e seus livros do que conheci o povo italiano e sua cultura vendo os filmes de Luchino Visconti?

Em vez de julgar a capacidade da arte de ser mais ou menos que outra arte, prefiro pensar que tudo depende mais do fruidor. Hoje me encontro melhor com os livros, pois inclusive com eles sendo apresentados pela via digital é um tipo de arte em que consigo me assenhorear com mais profundidade. Eu é que sigo o meu ritmo para a leitura, e não o autor ou o editor. Já para ver um filme, dependo do ritmo imposto pelo diretor ou pelo produtor. Se eu não tiver condições para acompanhar o ritmo do filme, simplesmente o vejo pela metade ou por três terços. Então a literatura leva assim para mim grande vantagem.

Meu amigo Jomard Muniz de Britto – que acompanhou minha vida durante longos anos – sempre gostava de dizer que eu era um fingidor, porque eu sempre fazia de conta que assistia aos filmes. Embora num festival de cinema no Rio de Janeiro eu tenha assistido num dia só a sete filmes consecutivos – e assim acompanhei toda a programação.

Hoje é muito mais fácil acompanhar a programação dos filmes. Talvez seja até mais fácil chegar aos filmes do que aos livros. Embora com o digital você adquira muito mais facilmente um livro em inglês, em francês, em espanhol, em qualquer outra língua – está aí a Amazon para isso.

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