Como escolher pequi e desatar nós

“As laranjas mais lisas, sem a pele mondrugosa, são as melhores”, ensinava vó.  

Foto: reprodução/Youtube

Encontrei vó deitada com a sua face de versos de paciência. Cresci querendo aprender com ela a desatar nós, um trabalho difícil, que exige destruir a velocidade e a agitação, cantarolar nos pensamentos e acompanhar a dança das folhas no sopro do vento.  

Vó seguia, atravessando as portas, as salas, os quartos. No final da tarde, sempre dizia que estava quente e fazia café. Enrolava as histórias como quem amaciava as memórias, demorando para dizer como José de Alencar, escritor cansativo para ler.  

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Não lembro de vó ter me batido, nem com palavras. Tenho lembrança dela me ensinando a escolher pequi: quando o biloto sair facilmente do pequi, no toque do dedo, ele estará maduro. “As laranjas mais lisas, sem a pele mondrugosa, são as melhores”, ensinava vó.  

Comia em casa do feijão de vó. Mas só adulto fui entender. A vida não era fácil, e desde cedo sabia o significado da palavra miúdo.

No dia que foi anunciada a morte de Tancredo Neves, o  presidente que não foi presidente,  estava no mercado, comprando pirô com vó. Ela sempre era doce comigo. Quando iria pedir a bença, me abençoava dez vezes.  

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A última vez que pude falar com vó foi na porta do hospital. Ela olhou surpresa:  

— Você está aqui, meu filho?  

Se disse algo, não lembro, mas hoje diria: volta logo, vó.  

Manhã chuvosa, carregava vó pelas ruas da cidade, entre as lágrimas do céu e as minhas. Nunca mais iria ver as rugas de Dona Maria. Ela me deixou como herança a vontade de aprender a desatar nós.