De poeta para poeta: Thiago de Mello fala a Adalberto Monteiro

Em 2016, pouco antes de se tornar nonagenário, escritor amazonense concedeu uma entrevista reveladora

Nascido na cidade amazonense de Barreirinha em 30 de março de 1926, o poeta Thiago de Mello completou 94 anos nesta segunda-feira (30). Um dos maiores escritores brasileiros vivos avança rumo ao centenário. Em 16 de março de 2016, pouco antes de se tornar nonagenário, Thiago concedeu uma entrevista reveladora ao jornalista e também poeta Adalberto Monteiro, dirigente nacional do PCdoB.

Adalberto lhe questionou sobre o “sentido de urgência” que o autor dos Estatutos do Homem se impôs. A idade avançada não levou o poeta a diminuir o ritmo. “Sei que tenho coisas ainda a fazer”, afirmou Thiago, lembrando um momento em que, sob a ditadura chilena, na década de 1970, pareceu diante da morte num paredão. Ao prever – com razão – que escaparia do fim naquele momento, o poeta tomou para si a missão de não parar nunca.

Quando Adalberto sugere que Thiago, em certo momento de sua trajetória, fez “filosofia em verso”, o poeta explica o porquê da mudança de rota: “As urgências da consciência que tenho do mundo que estou vivendo com os outros me afastam um pouco dessa própria indagação filosófica”.

A obra de Thiago de Mello já foi vertida para mais de 30 idiomas – mas o próprio poeta também se dedicou ao sempre conturbado ofício da tradução literária. Quais seriam os limites da intervenção de um tradutor sobre o texto de um outro autor? A Adalberto Monteiro, Thiago teoriza: “A arte de traduzir – a arte da tradução – é um processo de recriação de uma beleza que está ali em estado puro, original. E você tem que transformar isso, essa beleza, em outra linguagem, outro idioma, outra música – e com uma expressão de comunicação de outra cultura”.

As metáforas, sobretudo as metafísicas, não requerem uma versão literal em outra língua. Diante do desafio de traduzi-las, Thiago sugere que, antes de tudo, se “corresponda à realidade do leitor comum”.  Afinal, “você não vai recriar só para vocês que leem poesia, não”. Ele cita o exemplo de Pablo Neruda (1904–1973). Para escrever os versos de Alturas de Machu Picchu – sobre a resistência da civilização inca –, o poeta chileno chegou a morar no Peru por três meses.  

E há a Amazônia e sua mitologia – ou “o poder da natureza”, conforme descreve o “poeta da floresta”. Três anos antes de a região ser alvo de um criminoso ataque predatório avalizado pelo governo Jair Bolsonaro, Thiago de Mello já denunciava: “A floresta é o maior manancial de vida do teu planeta, é o lugar mais mágico que existe, o mais poderosamente mágico. E, no caso do Brasil, o mais maltratado, esquecido e degradado”;

Se a solidariedade ganha força como valor social nestes tempos de pandemia, reclusão e incógnita, a arte pode ser uma aliada. Disso Thiago de Mello já tratava na entrevista de 2016: “A arte tem que estra presente como uma parte importante na construção de uma sociedade humana solidária”. Na opinião do poeta, o mundo atual sente cada vez mais falta da “delicadeza de fazer você levar e dar aquilo que você está sentindo para outra pessoa”.

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