Maria da Dores, trinta e quatro anos, com desgaste de cinquenta. Prefira ser chamada Dorinha. Mora na rua, dormitório coberto pelo céu.
Publicado 30/06/2025 16:43 | Editado 30/06/2025 16:44
Abria Eduardo Galeano – Dias e Noites de Amor e Guerra . Peço um café. Sou interrompido com um bom dia. Uma companheira de luta, cujo nome desconheço, me oferece um exemplar d’ A Verdade . Antes de comprar, conversamos rapidamente. Pedi dois exemplares, mas, como boa militante, só restava um. Saiu, deixando pólvoras de esperança. Era manhã de sábado. Aos sábados, visite o centro da cidade para bisbilhotar e fazer as apostas do meu pai, que sonha em ganhar na loteria. Aproveito sempre para tomar café e ler algumas páginas; às vezes, ganho companhia, que não atrapalha em nada a leitura.
No balcão, leio A Verdade entre goles de café. Paro a leitura. A mulher pede uma dose, sem equilibrar as palavras e as pernas. Pergunta se posso pagar uma dose; ofereça café ou água.
– Quero cachaça, cachaça.
A cachaça vem, quase meio copo. Ela estranha, diz que tem água, derruba sem querer o copo, levanta e consegue tomar mais de um dedo de cachaça.
Tinha uma flor rosa de tecido do lado esquerdo do peito; nos pés, rachaduras e cor do chão. Um short camuflado evidenciava suas pernas, sua carne flácida. Sua blusa mostrava a barriga e uma tatuagem de um escorpião nas costas – era do lado esquerdo também. Cabelo curto, metade pintado de loiro. Faltavam alguns dentes. Olhos invejados de cachaça. Tentava dançar.
Seu nome: Maria da Dores, trinta e quatro anos, com desgaste de cinquenta. Prefira ser chamada Dorinha. Mora na rua, dormitório coberto pelo céu.
– Rua, rua, rua, rua…
Repetia como ladainha; baixou a cabeça no balcão, olhando de lado fixamente. O brilho dos seus olhos parecia morto.
Levante. Tentou dançar a música que tocava fora – Pixinguinha. Conversou consigo, tentando entender os tropeços de suas conversas.