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Em tempos de arte amordaçada, o canto à liberdade de Violeta pulsa

Violeta Parra percorreu o território chileno para resgatar as formas de tocar, os instrumentos e as letras de canções perdidas ou esquecidas. Esta pesquisa rendeu à cantora e compositora uma obra com raízes extremamente fincadas em seu país, e que, justamente por isso, se tornou universal. Em tempos de censura à arte, sobram motivos para revisitar este canto à liberdade.

Por Mariana Serafini

Violeta Parra - Ilustração - Tainan Rocha

Se passaram cem anos desde seu nascimento, e cinquenta de sua morte, mas sua obra é sempre revisitada e não faltam motivos para isso. As canções sobre a liberdade e luta política infelizmente voltam a ser atuais num período em que a América Latina enfrenta, novamente, uma ofensiva contra sua soberania.

Porém, a obra de Violeta vai muito além. Ela cantou os amores e as profundas angústias do ser humano, expôs suas raízes, seu povo e seu tempo. A obra atemporal e universal permanece potente, e sobram motivos para revisitá-la.

Com temáticas simples e cotidianas, a cantora autodidata e de origem pobre deixou composições que revelam erudição e sensibilidade rara. Não à toa foi interpretada por inúmeros músicos latino-americanos e até hoje é interpretada pela família Parra.

A filha, Isabel Parra, e a neta, Tita Parra, viajam o mundo a cantar as obras de Violeta e suas próprias composições, que seguem na mesma toada. “Começamos a cantá-la desde muito pequenos, juntos dela. E com a minha filha aconteceu o mesmo, ela cantava com a avó, acompanhava-a. O fenômeno de continuidade musical com o repertório de Violeta tem a ver com isso, com termos nascido numa família de músicos, em íntima ligação com o canto popular, com o canto folclórico, e posteriormente com o canto composto por Violeta Parra e depois com as composições que nós próprias fizemos. É como uma cadeia musical que continua em pleno desenvolvimento”, conta Isabel em entrevista ao portal português, Publico.

Para a filha, a obra de Violeta é revisitada e admirada depois de tantos anos porque é completa. Além de cantora e compositora, ela foi também pesquisadora, folclorista, radialista, escritora, pintora e escultora.“O importante do legado de Violeta está na magnitude da sua obra, que não é somente musical; tem uma obra visual, poética. É uma artista absolutamente multifacetada”.

Quando a ditadura militar de Augusto Pinochet se instalou no Chile (1973 – 1990), chegou com ela o terror, o medo e a censura. A obra de Violeta e de outros integrantes do movimento da Nueva Canción Chilena – entre eles Victor Jara, Inti Illimani e Quilapayún – foi perseguida porque cantava a liberdade e a esperança de novos dias.

Muitos discos foram destruídos porque as pessoas tinham medo de tê-los em casa. Tanto que hoje, no Chile, é raríssimo encontrar os discos fabricados na época. Mas a potência da obra de Violeta não só anunciou novos dias, como sobreviveu às quase duas décadas de terror e se mantém pulsante. Neste período de democracia ferida, ela anuncia que um novo ciclo há de vir, apesar da censura à arte, às ideologias e ao pensamento progressista.