Franklin Martins mergulha em era pouco conhecida da música brasileira

Graças ao Carnaval, “as ruas pesaram mais do que os palácios e as instituições oficiais na criação do nosso ambiente musical. O popular chegou mais forte no erudito do que o erudito no popular”.

Montagem: Viomundo

O projeto parecia concluído. Em 2015, Franklin Martins lançou os três volumes da série Quem Foi que Inventou o Brasil?, que tentava desvendar o País pela ótica da música popular – ou melhor, de 1.100 canções sobre a nossa República. Agora, oito anos depois, o jornalista surpreende com mais um livro, que, a rigor, deveria ter precedido a trilogia inicial.

Daí seu sugestivo título Volume Zero – A Música Conta a História do Império e do Começo da República (1822-1906). No lançamento da obra, nesta quinta-feira (9), em São Paulo, Franklin reitera que é indispensável ouvir as canções escolhidas de uma era pouco conhecida. Por isso, o livro – “uma obra com música, para ser lida e escutada” – apresenta as letras de todas as composições citadas. E que todos vão ao site do projeto (quemfoiqueinventouobrasil.com) para ouvi-las gratuitamente!

O formato do livro lembra uma enciclopédia, mas adaptada às possibilidades de um mundo multimídia. Isso porque, conforme explica o autor no livro, “no Império nossa música popular, cantando e brincando, buscou os caminhos para registrar os fatos do momento e expressar insatisfações e esperanças, muitas vezes trombando com os donos do poder”.

Há letras “chapa-branca” demais, até porque “algumas das canções do Império foram produzidas nos palácios e instituições oficiais”. Estas tendem a ser menos interessantes do que as alternativas – aquelas criadas “nas ruas, ou seja, nos circos, barracas, senzalas, teatros, salões, rodas de boêmios, cafés-cantantes e chopes berrantes”.

Conhecê-las é certo privilégio. Como lembra o autor, “a indústria fonográfica no Brasil somente surgiu em 1902, treze anos depois do fim da monarquia”. Ademais, se “a Casa Edison, nos seus anos iniciais, chegou a fazer registros sobre acontecimentos políticos do Império”, não foram em número suficiente.

“Mais tarde, músicos e intérpretes, apoiando-se em antigas partituras, gravaram alguns lundus e modinhas cantados no século XIX. Posteriormente, pesquisadores e folcloristas lograram ainda recolher, através da transmissão oral, cantos do período da escravidão”, diz Franklin na introdução. Em cinco anos de garimpagem, ele chegou a 296 canções, mas apenas 102 haviam sido gravadas

“Este novo trabalho de pesquisa mostra que a invenção do Brasil pela música é ainda mais antiga. Vem pelo menos desde a nossa formação como nação independente”, conclui Franklin Martins. Com o tempo, “o Brasil passou a contar com uma indústria cultural moderna, semelhante às dos países mais desenvolvidos do mundo, mas com uma diferença notável: ela nasceu estreitamente ligada à transmissão oral”.

Se a forma muda, o conteúdo também está em permanente reinvenção: “As canções reunidas nesta obra mostram que não foi fácil enfrentar o regime escravagista, as desqualificações do racismo, os privilégios e as hipocrisias dos donos de tudo, bem como as violências seletivas de juízes, policiais, feitores e paus-mandados. Mas muitos resistiram, criticaram e cantaram. Não se submeteram. E assim ajudaram a inventar o Brasil”.

A popularização do Carnaval, na década de 1910, fecha esse ciclo, graças à “chegada do samba e da marchinha”. Resultado: “as ruas pesaram mais do que os palácios e as instituições oficiais na criação do nosso ambiente musical. O popular chegou mais forte no erudito do que o erudito no popular”. Ao mergulhar no tema, o Volume Zero da série Quem Foi que Inventou o Brasil? mostra tudo isso de modo admirável!

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