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Frida Kahlo, como o México, nasceu das cores da revolução

Três anos antes da Revolução Mexicana (1910), nascia uma das mulheres que romperiam padrões para criar um novo conceito de identidade nacional. Frida Kahlo cresceu numa pátria em conflito e – como o México – sobreviveu a rupturas profundas. Assim, deu cor, textura e sentido à revolução na política, na arte e na vida.

Por Mariana Serafini

Frida Kahlo - Divulgação

A última quinta-feira (5) marcou os 110 anos de nascimento de Frida Kahlo. Esta figura, que um século depois se destaca como um ícone pop e inspira gerações de mulheres mudo a fora, foi muito além da estética exótica: rompeu padrões e atuou politicamente – junto a outros artistas mexicanos – para a construção de uma nova identidade nacional em um país que emergia da revolução vitoriosa, cheio de esperança.

O começo da vida adulta de Frida coincide com o México pós-revolucionário, um país marcado pela resistência camponesa e indígena, cuja construção de uma identidade nacional fiel a esta imagem era latente. Jovem engajada e com consciência social, a artista se filiou ao Partido Comunista, onde conheceu outros artistas dispostos a romper conceitos burgueses e desenvolver uma arte voltada para o povo.

Estes artistas modernistas, inspirados no período de resistência, romperam com os padrões estéticos europeus e se voltaram para a cultura popular mexicana. O movimento buscou nas raízes indígenas e na América pré-hispânica uma estética própria, e deu origem a um novo conceito de identidade nacional, baseado principalmente na plasticidade da revolução.

A arte de Frida emerge neste contexto, mas se mescla à vida pessoal dela, marcada por doenças e um acidente grave que deixou sequelas incorrigíveis até seus últimos dias. Sobrevivente dessas rupturas profundas, a artista deu cor e textura às suas angústias pessoais e à luta de uma geração de homens e mulheres herdeiros de Emiliano Zapata e Pancho Villa.


Frida Kahlo e a cantora mexicana Chavela Vargas em 1945
 

Com intensidade, Frida pintou as dores de uma mulher que cem anos depois permanece a frente deste tempo, dado seu apego à liberdade humana. Mas ainda que seu corpo e seus fantasmas parecessem bastar para a composição de uma obra complexa e profunda, a artista foi além e retratou as mazelas de um México marcado por contradições.

Apesar de nunca se declarar feminista, sua lealdade às próprias convicções e à liberdade fizeram dela um ícone da luta das mulheres. Além disso, retratou em sua obra, de forma visceral, a complexidade do universo feminino. Suas roupas repletas de cores e bordados, inspirados nas mulheres indígenas, ganharam o mundo e, independente de estar em Nova York, Detroid ou Paris, demarcaram a identidade mexicana de uma artista que se tornou universal por pintar as angústias de seu povo e de seu tempo.

Quando a crítica tentou qualificar sua obra como “surrealista”, a artista foi categórica ao rebater: “pensavam que eu era surrealista, mas eu não era. Nunca pintei sonhos. Pintava minha própria realidade”.

Ícone pop

Com todo este legado, parece inacreditável que Frida seja vista – não raramente – apenas como uma figura exótica. Hoje o rosto marcante de sobrancelhas grossas e nenhum sorriso estampa uma infinidade de produtos: canecas, camisetas, ecobags, pelúcias. Em meio a isso, curadores têm o desafio de despertar o interesse do público pela arte e não pela “pintora de canecas”, como disse certa vez um curador do Metropolitan Museum of Art, de Nova York, durante um simpósio na Pinacoteca de São Paulo.

O especialista falava durante uma apresentação sobre como “conduzir o público em uma exposição”, sobre a dificuldade de fazer as pessoas se interessarem pelas telas, e não apenas em tirar fotos nas galerias e correr para a loja de suvenir para levar embora um imã de geladeira com o rosto de Frida Kahlo estampado em baixa qualidade. Segundo ele, é “triste” que a apropriação mercadológica da figura da artista tenha chegado neste nível.

O casamento conturbado com o muralista Diego Rivera, os relacionamentos extraconjugais com mulheres e homens, os três abortos – decorrentes das sequelas do acidente na juventude – podem ter marcado Frida como uma figura exótica. Mas esta mulher sobrevivente de rupturas é muito mais que isso. Dedicou sua vida e sua obra à construção de uma outra forma de ver o mundo, “abajo y a la izquierda, donde está el corazón” [abaixo e à esquerda, onde está o coração].

Veja a galeria de imagens com 13 quadros de Frida Kahlo: 

Especial Frida Kahlo