Breves considerações antropoéticas sobre o homem e a biosfera na Amazônia
Publicado 25/09/2007 19:51 | Editado 13/12/2019 03:30
1 – Uma brava gente que saiu do mato para ser brasileira no mundo.
Esta uma explicação caboca (“tirada do mato”) para justificar o S.O.S. Lago Arari dirigido ao Presidente da República, no dia 7 de setembro de 2003, durante Exposição itinerante do Museu do Marajó em Santa Cruz do Arari; e a moção de Muaná de 8 de outubro do mesmo ano, encaminhada à Conferência do Meio Ambiente, por iniciativa conjunta do voluntariado GDM / Unilivre-MAM, ong CAMPA e cooperativa CEMEM aprovada unanimente na reunião regional preparatória, passando com resistência nas plenárias estadual e nacional para esperar a vez e a hora até agora.
A fraca audiência do Poder não permite escutar o grito da Pororoca e a vista curta da sociedade burguesa não deixa ver o peso do extremo-norte brasileiro. Onde milita o exército Brancaleone, que desde os anos do “milagre”, sob comando do decano dos ambientalistas amazônicos Camillo Viana e meia-dúzia de quixotes papa-chibé, remamos contra maré. Uma certa carta do Marajó-Açu, datada de Ponta de Pedras em 30 de abril de 1995 – mandada expeditamente a todos e a ninguém – , traçou diretrizes das quais se surdiu a dita carta de Santa Cruz do Arari e a moção de Muaná.
Enquanto o grito de socorro do Arari foi e voltou despachado para providências do IPHAN, que está (apesar de poucos recursos) lutanto para dar conta do recado com entusiasmo engajado de servidores amigos do Marajó; ainda não se pode dizer o mesmo da Conferência Nacional do Meio Ambiente e do MMA, onde aparentemente a demanda encalhou. Apenas o Governo do Pará alentou esperança com o ZEE e manifesta agora vontade de incluir proposta da reserva da biosfera e um sítio Ramsar no Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó, até agora na boca do forno em preparação na Casa Civil da Presidência da República (noves fora a Regularização Fundiária que vai à proa com a SPU/GRPU levando a canoa pra frente).
Será necessário aprender a lição de Nelson Mandela para, definitivamente, derrubar a cerca antiga que separa o homem amazônico da fraternidade da sua comunidade tradicional e do meio ambiente onde ela teve berço: é disto que se trata quando se clama a Deus e ao mundo (os dois Antônios (Vieira 2008 e Gramsci 2007) sejam louvados!) a pedir socorro urgente a esta gente carente de Ciência, Educação e Cultura. Pois, sem a solidariedade ribeirinha não se pode abrir a porta da libertação a tantos filhos e netos de antigos “Nheengaíbas”, há 350 anos esperando desde a primeira lei de abolição do trabalho escravo (09/04/1655) na Amazônia!
Como diria o militante anti-colonial e psiquiatra martiniquense Franz Fanom, o camponês não carece saber teoria da liberdade, pois ele sabe por instinto no rude chão que a única maneira de escapar a um destino cruel é pela solidariedade e a inteligência entre irmãos de servidão da gleba… Ora, o pão nosso de cada dia sempre foi, é e será tirado da gleba global em cada palmo de terra na geografia dos lugares! Milton Santos a nos ensinar.
Não existe almoço de graça: a casa-grande toma café temperado com açúcar regado a suor de senzala no canavial planetário… Por isto, entre si as oligarquias do mundo são solidárias no câncer e no parasitismo do Planeta. Fogem do trabalho como o Diabo foge da Cruz, especializam-se em promover a ignorância alheia para conservar a Pobreza onde se acha riqueza da natureza. Primeiro passo da acumulação primitiva e pronto-socorro de matéria-prima extraída pela fome da Civilização industrial! A mudança climática é sintomática de que os Brancos deram com os burros n'água.
Fica claro assim que Natureza e Cultura são carne e unha. Portanto, os quixotes da Carta do Marajó-Açu não estavam irremediavelmente errados, quando deram o recado duma estratégia única destinada a chamar atenção do Brasil e do mundo sobre a ingrata sorte da gente do Extremo-Norte. Estamos nesta lavoura há muitos janeiros, desde quando nasceu, na vila de Ponta de Pedras, um certo menino chamado Dalcídio que se ainda fosse vivo iria fazer 100 anos no dia 10 de janeiro de 2009. Junto com o Fórum Social Mundial em Belém e completar 350 anos da carta que o Padre Vieira anunciou, desde a aldeia Camutá [Cametá], as esperanças de Portugal com a subversiva profecia do Quinto Império do mundo. Por cuja causa louca foi o mesmo padre entre índios selvagens celebrar a paz, no mesmo ano, mato adentro naquele rio que hoje é a Reserva Extrativista Florestal de Mapuá.
O diabo do meio ambiente é deixar de fora da ecologia o homem e a mulher. Como Jeová puniu o pecado de Adão e Eva e Chico Mendes pagou com a própria vida a desobediência ao mando do latifúndio privado de razão. Aquelas letras tortas das margens do Marajó-Açu se desdobraram no S.O.S. Lago Arari em defesa da cultura marajoara e na moção ambiental de Muaná. Fracas vozes, entretanto, diante do tumulto de lobistas à porta dos palácios… Porém, pior do que a concorrência afoita é uma espécie de complexo de culpa e preconceito das elites que fazem ouvidos de mercador sob nuvens cizentas a fim de ocultar a verdadeira noticia histórica desta gente “nheengaída” (de falar ruim) que nós somos.
Por mais que se tenha paciência e boa-vontade, não podem os caboclos tapar o sol com peneira para ser gentil com os nobres representantes do povo, com as exceções de praxe. Mas, temos pra nós que a queixa mais grave deve ser dirigida à intelligentsia brasileira e à Mídia nacional: pois, se existisse interesse acadêmico sobre assuntos tais, não precisaria enfadonhos diletantes como este que vos fala e seus compadres rezadores e cantadores de chula na academia do Peixe-Frito “inventar moda”, para não deixar morrer entre chuvas e esquecimento a mensagem do homem marajoara de 1500 anos.
Esse homem antigo apenas resgatado pelo mito da Primeira Noite do mundo, como libelo contra o trabalho escravo e toda outra forma de opressão, por um menino filho de branco e de preta, chamado Alfredo. A magia do caroço de ficção inventado por um “índio sutil” (Dalcídio Jurandir, assim apelidado por Jorge Amado). A cegueira brasileira é não ver o óbvio: que a cultura com certeza é filha da natureza.
2 – Mensagem do tempo arqueológico no livrão da Biosfera.
Já se vê, por acaso, Deus ou pelo menos o Jurupari escrevendo certo por linhas tortas. O encontro de duas desditas com esperança de sair do impasse pela porta estreita da utopia: o sebastinismo retocado no Brasil pela demanda da Terra sem males… Como também o barroco fagocitado pela América Latina convertido ao realismo mágico.
Por ironia do destino, o Jurupari (pra não dizer o Inconsciente coletivo dos índios), diabolizado por padres mal saídos do medievo cristão; é artífice do estupendo engenho caboco (”extraído do mato”), que nem o genial Padre Antônio Vieira bispou na história do futuro ou na chave dos profetas, em seu melhor estalo.
Aos Nheengaíbas a crucial decisão de trocar o certo pelo duvidoso (o costumeiro escambo holandês pelas promessas da fingida pax luso-brasileira) foi um absurdo àquela hora, mas faz sentido agora… Aos olhos da antropologia cultural da Amazônia e Caribe parece mais espantoso ainda o discernimento daquele tempo demonstrado pelas populações tradicionais, quando a incerteza habitava as ilhas do Pará-Amazonas. Pode-se dizer, então, que enfrentando mil e um obstáculos os povos ribeirinhos originais vislumbravam a Terra-Firme (continente) como destino. O que explica talvez a pressa com que os sete caciques do Marajó atenderam ao chamado dos jesuítas para pôr fim à guerra que já durava trinta anos. Por outra parte, no vale do Jaguaribe (Ceará, área da Reserva da Biosfera da Caatinga) portugueses e tupinambás inimigos implacáveis até então, desde a Mata Atlântica; celebraram a aliança que levou à tomada do Maranhão e conquista do rio das amazonas, mediante o casamento do cristão-novo Martim Soares Moreno e a índia Paraguassu, filha do tuxaua Jacuúna.
Foram os Jesuítas da Amazônia presdestinados dar notícia dessa gente ao mundo e a fazer as pazes daqueles inimigos sanguinários de que fala a História do Futuro com a fantástica interpretação que o payaçu dos índios dá ao capítulo 18 do Livro de Isaias. Nada mais natural que, ainda eles com seguindores de Santo Agostinho e caboclos, bater às portas do Palácio do Planalto para levar o recado dos que não têm voz e pernas para ir àquela altura.
3 – Homem e biosfera: um continuum sem fronteiras por todos os tempos.
Amigo de Platão, porém mais amigo da verdade… Nosso dever cívico em relação à Pátria amada Brasil começa com nosso direito sagrado ao chão ancestral na integração das Amazônias e a partilha da Utopia universal do condomínio de uma Terra sem males, para todos! O universal pelo mais regional. Trata-se, objetivamente, do direito humano de ser e estar no mundo munido de identidade própria (no caso, a milenar cultura marajoara). Donde vem esta idéia elevada do barro dos começos do mundo até o romance dalcidiano e fundação do Museu do Marajó?
Cerca do ano 500 d.C., por necessidade e acaso, os primeiros marajoaras saídos do tempo paleolítico amazônico de 12 mil anos em busca do “de comer”, seguindo piracemas nos caminhos do Peixe; inventaram a primeira cultura complexa da Amazônia (cf. Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG www.museu-goeldi.br e Denise Schaan www.marajoara.com ). Provavelmente, nossos antepassados paleo-ameríndios de antropófagos converteram-se em ictiófagos neolíticos e comedores de farinha de mandioca, mediante notável revolução cultural e tecnológica das terras baixas do novo trópico. Isto falta ser compreendido, redondamente, para que se possa inventar, de fato, além do discurso politicamente correto uma Amazõnia Sustentável!
Caso contrário, continuaremos a dar voltas no “espaço vazio” de idéias; inexoravelmente presos à necessidade de trabalho escravo ou degradante e do extrativismo devastador, no labirinto da Ocupação de tempo e espaço. Longe da retardatária teoria do Protetorado civilizador (codinome, “internacionalização” da Amazônia), cujo retrato falado está desenhado na historia colonial pela miserabilização da África Negra; convém nacionalizar as regiões amazônicas pelos respectivos países amazônicos; e amazonizá-los. Sobretudo, o maior país amazônico do mundo, o Brasil. O qual tem por dever irrecusável manifestar, promover e difundir a América do Sol nos demais continentes.
Para isto, as ilhas do Marajó – com o patrimônio natural do Jurupari, depositário cultural da marcha para Oeste do bom selvagem Tupinambá em demanda da mítica Yvy Marãey: lugar futuro de boa-aventurança, onde não existe trabalho escravo, fome, doença, velhice e morte – se apresentam como “centro” do mundo do Futuro… E, portanto, quando se fala de toda e qualquer maneira de demanda com referências a este arquipélago; deve estar lembrado da Demanda original que desenhou com sangue os contérminos do mapa do Brasil e veio adormecer na ilha, como o magestoso Sol vem pernoitar em sua rede no sítio Araquiçaua… Quer dizer, a Amazônia Sustentável não terá sustentabilidade antropológica se não se iniciar e batizar nas águas grandes do golfão marajoara.
4 – Da utopia selvagem e messianismo sebastianista ao Plano Mandela.
Biosfera rima com Mandela: rei que dispensa coroa, tigre sem pressa… África lembra que a natureza é rica e a origem do Homem está no continente negro. Lá também deve estar o seu destino, para o bem e o mal. Mas, o salto qualitativo que se reclama pede um plano Mandela Norte-Sul mais abrangente do que foi o plano Marshall na reconstrução da velha Europa devastada pelas guerras. Pois o colonialismo teve poder mais devastador para o terceiro mundo do que dez grandes guerras mundiais.
Haja pois para paz mundial ampla solidariedade de todos “negros da terra” au-délà de la melanine. A negritude universal, este humanismo radical do guianense Damas, do senegalês Senghor e do martiniquense Cesaire. Dizendo este, não é verdade que a História acabou… Ela vem apenas de começar. Na Amazônia, temos os nossos apóstolos da negritude cabocla na voz de Bruno de Menezes e no romance marajoara de Dalcídio Jurandir.
O divórcio entre história e geografia perpetua o exílio do “homem primitivo” na Civilização ocidental: na Amazônia, foi a utopia evangelizadora do payaçu dos índios o primeiro ensaio humanista que precedeu a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas de 13 de setembro de 2007. Da negação destes direitos humanos originais nasceu o monstro que se chama Devastação, cuja filha bastarda é a acumulação primitiva dos países industriais que lucraram com a alienação ultramarina.
Populações tradicionais, protegidas e amparadas através de uma malha planetária de 500 e tantas reservas da biosfera, devem ser compensadas, não por caridade, mas por justiça. Não para perpetuar a dependência tecnológica, mas para incentivar uma nova economia solidária pela parceria entre saber tradicional e C&T verdadeiramente inteligente, conforme prega o filósofo da complexidade Edgar Morin. O velho e contraditório Marajó, para isto com seu Plano-piloto, prima pela existência de um povo antigo que perdeu a memória de suas tradições, e cuja certidão de nascimento é a cerâmica marajoara e sítios arqueológicos envolvidos por uma polêmica, em 1937, entre intelectuais do Museu Nacional e o SPHAN [IPHAN], no Rio de Janeiro.
A superação desta inútil contenda de origem política e acadêmica mais antiga, que prejudicou a indios e seus descendentes durantes séculos, deveria contemplar em primeiro lugar o contributo e acurado juízo do jesuíta italiano naturalizado brasileiro Giovanni Gallo (digno sucessor de Vieira, ambos padres censurados por seus confrades e condenados por causa de um sonho missionário incompreensivel aos homens de seu tempo), que viveu intensamente o problema marajoara de fundo étnico-histórico e antropológico; quando ele na sua obra Marajó, a ditadura da água; pede a ouvidos de mercador no país do pau-brasil um “plano de desenvolvimento cultural” a fim de resgatar a história tradicional desta gente criada por Deus e natureza.
Para chegar um dia a Paris, na Unesco, e pedir abrigo para o homem marajoara sob bandeira do MAB; nós falamos de migrações tupinambás varando pelas ilhargas das ilhas do Marajó em guerra e paz, a morte de Orellana perdido no labirinto das amazonas; Pedro Teixeira movido a 1200 arcos e remos indígenas a fim de romper a “linha” de Tordesilhas, guardada pela pirataria selvagem e as setas envenenadas de índios marajoras inimigos dos tupinambás…
Nós falamos, enfim, da fantástica sinergia da escritura de Vieira, Dalcídio e Gallo separadas por três séculos como uma bíblia na qual livros incongruntes entre si formam conjunto coerente quando em conjunto, menos pelo passado e mais pela perspectiva do Futuro. Na verdade, quem não for iniciado no mistério da chuva nos campos de Cachoeira poderá ficar por fora do texto; necessariamente obscuro como oráculo de pajé e perder a maré; ficar confuso, no labirinto do espaço-tempo ribeirinho.
A chave do mistério da posse territorial do sub-continente equinocial é a passagem, ida e volta, do rio Pará pelo contorno da ilha do Marajó, através dos Furos de Breves, para dentro do rio Amazonas. Vieira, mais com olhos de geopolítico do que de sacerdote, informou o reino de que a monarquia européia que tivesse a seu lado as nações insulanas do Estuário teria por conseguinte todo o vale amazônico até o sopé das montanhas. Hoje, com estradas de ferro, rodovias e aeroportos; um cartógrafo moderno pode rir desta sentença. Sim, mas para chegar ao século XX foi preciso atravessar sertões a pé ou subir os rios em canoa a remo… Tenham, os senhores que não dão passo sem rodas de automóvel, santa paciência!
A arriscada passagem pelos Estreitos do tempo das igarités é o fato histórico principal e incontornável no labirinto hidro-historiográfico da invenção da Amazônia. Mais do que em qualquer outra paragem do mundo, o historiador amazônico carece ser geográfo para não dar com os burros n'água, como se diz popularmente. Mas, se outrora nas cortes ou na cela dos conventos a imaginação dos cronistas não podia ir além de meia légua de viagem; hoje no conforto acadêmico interessado nas carreiras e disciplinas de pós-doutoramento vai escasseando a curiosidade de feitos como este. Cujo extravio tem desnorteado muitos intelectuais e deu cabo à vida do descobridor Orellana (1544) quando ele retornava, depois da famosa jornada de 1542, ao cenário confiado no título de Adelantado del Río a fim de fundar a colônia de Nueva Andaluzia.
Conseqüentemente, o Brasil seria outro sem a arriscada posse portuguesa que custou rios de sangue. Este domínio não teria ultrapassado a linha de Tordesilhas dentro do rio grande e fixado o uti possidetis de 1750 além da boca do Rio Negro; se não tivesse sucesso a missão pacificadora do Padre Antônio Vieira (1659) em Mapuá (Breves) reunindo, pela primeira vez, inimigos nheengaíbas e tupinambás e portugueses. Com os quais, depois das ditas pazes, foi possível estabelecer as aldeias de Aricará (Melgaço) e Aracaru (Portel) para controlar com o forte de Gurupá conquistado aos holandeses, em 1623, as “colunas de Hércules” no rio-mar da proeza lusitana na Amazônia.
Contra fatos históricos não se briga, mas se discutem acerca deles conforme os meios de interpretação de cada geração. Pode-se gostar ou odiar jesuítas, todavia sem a histórica Igreja missionária no Marajó nós não estaríamos aqui contando história. Foi a Igreja católica ainda, que depois de séculos, ouviu o clamor do povo e foi porta-voz dele em documento pastoral, na quaresma de 1999, alertando a nação sobre o mísero IDH. Donde se baseou a demanda ao Palácio do Planalto com resposta do Grupo Interministerial incumbido pelo Presidente da República a elaborar o Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó, em curso.
A este plano, com participação federativa do Governo do Estado do Pará, compromissado pela decisão política de sua ilustre Governadora e dos Municípios em parceria da sociedade civil; correspondem os anseios populares de 14 de Abril de 1823 proclamados na Adesão de Muaná, de 28 de Maio do mesmo ano. Sem esquecer jamais os 40 mil mortos durante a Cabanagem!…
Por conta disto tudo, causa perplexidade quando se consulta o povo à modo de animador de auditório que pergunta, democraticamente (sic), se queremos caviar ou bacalhau. Ópera de Villa Lobos ou música caipira!… Quatro séculos à margem da História e alguns doutores querem que a gente faça distinção entre um prato de lentilhas e o direito de primogenitude à primeva cultura complexa da Amazônia, que ninguém antes informou coisa nenhuma!
Logo, seguir o figurino é como dizer que a candidatura do Marajó à Unesco fica para dia de São Nunca.. Tratamento igual para desiguais é arte de Malazarte. A surdez colonialista vige ainda. Tanto isto é verdade, que fomos nos queixar ao Bispo (que no caso eram dois), a ter religiosos que fazer papel de representante político. E ainda há quem ache que os pastores extrapolam sua missão para preencher o vácuo político…
Portanto, é necessário consciência histórica para fazer avançar o processo que dará fim a uma velha “guerra tribal” por onde a Colonização abriu brecha e tomou pé na terra Tapuia. Semear a paz é remediar a traição dos herdeiros do dom João IV, o Restaurador e a botinada do Marquês. É honrar a dívida histórica do Império brasileiro com os Cabanos. É, pois, com o dever de restaurar a ofendida paz de Mapuá 1659, a cegueira política e a surdez acadêmica que o apelo marajoara ao Comitê Brasileiro do MAB e à UNESCO deve ser apreciado.
5 – Reconhecimento internacional: pra que vos quero em selo verde-e-amarelo?
Enganam o povo toda vez que dizem que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) trava o desenvolvimento do País. Cresce o nariz de Pinóquio com a mentira… Reservas da biosfera e sitios da rede Ramsar formam uma malha socioambiental planetária e se ainda não mostraram toda sua potência é porque as sociedades locais estão distraídas demais. Juntando-se esta rede aos diversos sistemas nacionais de unidades de conservação, vê-se aí um esquema estratégico global em franca expansão. Por aí as metas do Milênio com aquilo que estamos chamando de Plano Mandela acelaria o desenvolvimento sustentável das reservas da biosfera como grandes campos de cooperação descentralizada Norte-Sul com ampla supervisão soberana dos respectivos governos nacionais.
No Brasil, reservas da biosfera foram oficializadas como Áreas Protegidas especiais através do capítulo VI específico, na Lei nº 9985 do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), aprovada em 18 de julho de 2000 regulamentada pelo decreto 4.340 de 28/08/2002, cujo capítulo XI trata especialmente das Reservas da Biosfera. Nosso País definiu como meta a criação de, pelo menos, uma grande Reserva da Biosfera em cada um de seus biomas.
Reservas da Biosfera, sempre que necessário, poderão ser ampliadas em fases sucessivas à medida que se amplia a informação sobre o bioma e se criam condições institucionais e parcerias que assegurem a boa gestão da Reserva. Em sua configuração as RBs devem, sempre que possível, incorporar conceitos de corredores ecológicos, cinturões verdes de áreas urbanas, mosaicos de Áreas Protegidas, Reservas Privadas e Comunitárias, bacias hidrográficas, integrando e valorizando esses instrumentos de planejamento e ordenamento territorial.
Quer dizer, tudo a ver com o Plano Marajó e a gestão urbana no estuário Pará-Amazonas onde se sistua a área metropolitana de Belém, distrito industrial-portuário de Barcarena e Vila Conde, zona de processamente para exportação (ZPE) Macapá-Santana, além do gerenciamento costeiro da Amazônia atlântica, incluindo o parque nacional Montanhas de Tumucumaque e as Reentrâncias Maranhenses.
Em seu perímetro as RBs devem incluir os principais remanescentes florestais e a maior parte das Áreas Protegidas existentes no bioma, compondo suas áreas núcleo. Os limites das RBs não devem se restringir aos limites políticos administrativos internos do país (Estados e Municípios) englobando, sempre que houver, ecossistemas compartilhados “transfronteiriços” entre estas unidades federativas.
Sempre que possível, as Reservas da Biosfera devem se conectar ou se superpor nas áreas entre ecossistemas ou biomas, formando uma malha de conservação e desenvolvimento sustentável em escala nacional. Cada uma das Reservas da Biosfera deverá contar com Sistema de Gestão próprio, colegiado, descentralizado e participativo; envolvendo representantes dos setores governamentais, ONGs, populações locais, instituições científicas e do setor empresarial.
Logo, ao contrário da desinformação mais corrente, a malha ecológico-econômica nacional, conectada ao planeta inteiro através de RBs; não “trava” o desenvolvimento, Mas, ao contrário, o acelera com segurança e responsabiliade. A representação do Governo e da sociedade civil deve ser paritária nos Conselhos Nacionais, Comitês Estaduais e demais instâncias de gestão da Reserva.
As Reservas da Biosfera deverão compor uma Rede Brasileira, vinculada à COBRAMAB, participar ativamente das Redes Regionais e Mundial de Reservas da Biosfera e colaborar em suas áreas com os demais programas internacionais de conservação e desenvolvimento sustentável, dos quais o Brasil participe.
Através de convênio entre o MMA e a Representação da UNESCO no Brasil foi estabelecido em Programa de Consolidação das Reservas da Biosfera (BRA MaB) que assegura recursos financeiros para o fortalecimento institucional das Reservas, da Rede Nacional de RBs e da COBRAMAB.
6 – Sinergia: experiência da Mata Atlântica ajuda a conservar a Amazônia.
A luta marajoara em demanda da inclusão das ilhas do estuário Pará-Maranhão no MAB conta com a simpatia do CN RBMA, através de seu presidente, voltando-se para o fortalecimento da rede brasileira de Reservas da Biosfera. Neste sentido, a Ilha do Marajó possui predicados que não podem restar sem o reconhecimento internacional da UNESCO. Se a apatia e desinformação do povo podem ser desculpadas pela contigência social e histórica. O mesmo não se aplica à elite e governantes paraenses, que devem ser os primeiros a exigir de Brasilia as formalidades necessárias para o reconhecimento internacional.
O Brasil tem ''apenas'' 7 Reservas da Biosfera dentre as mais de 500 unidades da Rede do MaB/UNESCO, porém a área total da rede brasileira é maior do que a metade de todas as áreas de RBa do mundo, somadas. Fato muito significativo, que coloca nosso País na liderança do MAB e , portanto, os biomas Amazônia Central e Amazõnia Oriental pelas especificidades que reprsentam asseguram posição invejável para a sociedade brasileira afastar toda e qualquer ameaça de internacionalização nesta região estratégica para as futuras gerações brasileiras e de toda a humanidade.
Em relação soberana no sistema multilateral da UNESCO, a linha brasileira de grandes reservas da biosfera está sendo defendida há alguns anos pelo CN RBMA. Assim, este Conselho manifesta acordo de princípio em favor da criação duma segunda RB na Amazônia a par da RB da Amazônia Central (que se acha localizada numa extensa área do estado do Amazonas, incluindo o parque nacional do Jaú, sítio Ramsar e RDS de Mamirauá e outras unidades de conservação).
Para ter uma idéia das vantagens econômicas, sociais e ambientais da Reserva da Biosfera da Amazônia Central para o desenvolvimento sustentável do Estado do Amazonas, basta dizer que a RDS Mamirauá assistida e autorizada pelo IBAMA está exportanto legalmente para o mercado exterior carne de pirarucu (Arapaima gigas) defumada, com notável melhoria da qualidade de vida da população tradicional. A qual deixa de ver na fiscalização ambiental uma inimiga para reconhecê-la como aliada e vigilante do território.
A Amazônia Oriental, tendo a ilha do Marajó como coração – simbolizada pela telúrica Cobra grande –, com o mosaico de unidades de conservação que já têm (floresta nacional de Caxiuanã, estação científica Ferreira Penna, RDS Baquiá-Gurupá, Resex Mapuá, Resex Pracuúba, Resex Marinha de Soure e outras UCs que venha a ter) cobrirá extenso bioma de floresta úmida, área costeira marinha. Uma importantíssima RB que comece no Amapá (Montanhas de Tumucumaque, Oiapoque, mangues de Caciporé e Maracá, arquipélago de Bailique, etc.) passando no Pará, especialmente Arquipélago do Marajó, cinturão verde da grande Belém e região costeira do Salgado; até o Maranhão (Lençóis e Reentrâncias Maranhenses).
7 – Na crise climática oportunidade de vanguarda para o Brasil na Unesco
A oitava RB brasileira, na Amazônia Oriental, fecha com selo de ouro a primeira etapa da política nacional de meio ambiente iniciada com a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. Como se sabe, a política de implantar pelo menos uma grande Reserva por Bioma. Este modelo de grandes RBs, na escala do Bioma, com sistema de gestão autônomo, participativo e descentralizado, e forte atração em políticas públicas, programas e projetos inovadores nos campos da conservação, desenvolvimento sustentável e conhecimento tradicional e científico; são plenamente reconhecidos e elogiados pela UNESCO, como referência de êxito a ser reaplicado em terceiros países.
Realisticamente, sabemos que não é fácil obter reconhecimento de uma RB pela UNESCO. Todavia, há chance para uma proposta do Pará junto ao Governo Brasileiro (MMA/CobraMaB) e pode ser aceita pela UNESCO, inclusive com apoio do CN RBMA onde seu presidente é membro do Comitê MaB/UNESCO, órgão encarregado de analisar propostas de reconehcimento de novas RBs. O que é necesário inicialmente é uma boa mobilização e envolvimento local (Governo Estaduais, municipais, Universidades, ONGs, etc) e extenso trabalho técnico de preparação do mapa e formulário de proposta.
O desafio está lançado, com a palavra formadores de opinião, políticos, pesquisadores, empresários e governantes dos respectivos estados brasileiros da Amazônia Oriental.