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Na última tarde de agosto, para REVER com Augusto de Campos

A história é assim: Renan, compositor e integrante há quase 20 anos do grupo de rap Inquérito descobriu que fazia “poesia concreta” quando alguém leu suas letras e avisou. Renan gostou, foi aprender mais com o mestre Augusto de Campos. Comprou todos os livros que encontrou.

Por Christiane Brito*

Encontro com Augusto de Campos - Arquivo pessoal

Em 2011, criou coragem e estreou no concretismo com #PoucasPalavras e agora lança o novíssimo Poesia pra encher a laje (LiteraRUA). Pouco depois, em junho, foi à exposição “REVER” no Sesc Pompéia, a maior exposição individual de Augusto de Campos, artista multimídia e produtor incansável (lançou livro com inéditos em 2015, pela Perspectiva).

Para se ter uma ideia: Augusto tem 85 anos, 65 de carreira e, aos 60 anos (“ainda jovem, brinca”), aprendeu a lidar com softwares de produção de arte (antes, idealizava e produzia do jeito possível, inventado, muita coisa foi feita manualmente).

Renan e Toni C. parceiros nessa empreitada que chamam de LiteraRUA são “pau pra toda obra”, visitaram juntos a mostra do Sesc e ficaram maravilhados com as 75 obras expostas. Próximo passo foi enviar o livro do Renan para o Augusto, só para saber o que ele acharia. Augusto foi além, como sempre na arte e na vida; propôs uma conversa pessoalmente.

Dia 31 de agosto, quarta, 16 horas, recebeu Renan, Toni, Priscila (braço direito do Renan na maratona de lançamento e palestras) e eu, que estudei jornalismo lendo livros do Augusto, me enfronhando nas páginas impactada com aquela palavraiada visual que é mais que poesia, parece toque de despertar: “Não sei se o que faço é ainda poesia concreta. Fiquei talvez mais ‘pop’. Mas sempre ‘verbivocovisual’”, declarou o artista-poeta em entrevista recente.

Renan e Augusto começaram uma conversa que seria sem fim, tanta coisa em comum (Augusto, apesar da produção intensa, somente em 1979, com 48 anos, publicou o primeiro livro financiado por editora, até então a grana saía do próprio bolso e do bolso de amigos). Renan e os autores do Hip-Hop enfrentam a mesma precariedade.

Augusto diz que no passado, sem saber, fazia rap; declama (sabe tudo de cor) um poema, diz que tem 150 letras: “Se eu tirar uma, vira twitter”.

Renan também manda textos seus, ganha de presente o “VivaVaia” com dedicatória, além de três CDs de Cid Campos, filho de Augusto. Um deles, “O inferno de Wall Street, poetas em movimento” traz oralizações de Augusto de Campos, Décio Pignatari, Arnaldo Antunes e José Mindlin, entre outros. Renan já fez parceria com Arnaldo Antunes, e vão descobrindo mais afinidades. O papo não para.

A conclusão, que na verdade surgiu no começo da conversa, é que ser poeta é ser discriminado, em princípio ninguém entende. Mas como é que dá para não ser poeta sendo poeta, penso, olhando os dois em um diálogo de meninos; uma hora, o Renan é o aprendiz, aliás, na maior parte do tempo; em outra, o Renan conta coisa que o Augusto não sabia e adorou saber. Por exemplo: “Acho que Rap, no Brasil, devia ser escrito “Rep”, com “e”, como palavra que tivesse origem em “repente”, porque o rap é feito na periferia de grandes cidades, por filhos de nordestinos”, diz Renan.

Daí os dois embalam em uma conversa para poucos, falam de todos os ritmos poéticos dessa terra, de tudo o que é fala, música e poesia, duelos, não posso repetir essa parte. Sou leiga, mas saí encantada.

Vai ter continuação, Augusto promete apertando a mão do Renan.

Renan, e nós, pegamos o elevador para o térreo, mas acho que o poeta do Inquérito não desceu, subiu às alturas do pensamento, da admiração incontida.

Afinal, conheceu, como diz, o “pai do concretismo”, que o adotou, carinhosamente, como mais um filho, de tantos que o coração sem tamanho do Augusto adota, encaminha, escuta.

Por isso tem 85 anos na certidão de nascimento, mas 25 quando se junta aos novos poetas, quando fala com a moçada, quando lê livro de estreante, quando abre um jornal e torce o nariz para o conservadorismo que é dominante nas artes e na política. Augusto nunca se cansará de fazer oposição a tudo que estagna ou regride.

Nesta quarta da conversa, ele criou uma imagem poesia para as mídias. Relutou em divulgar, mas depois encolheu os ombros e decidiu: “Já não gostam de mim, gostarão menos.”

Engana-se quando generaliza: Augusto está “na moda” (por menos que isso pareça uma coisa bacana pra ele) e também à frente, lidera a moçada como influenciava a moçada dos anos 1960, Caetano Veloso e Gilberto Gil eram dois dos jovens que o seguiam. Hoje, Caetano é também um senhor de eternos 25 anos, irrefreável como o amigo quando se trata de reinvenção do verbivocovisual. E é obrigatório reinventar, sempre.

Assista ao vídeo do encontro: