Sem categoria

Nikola Vaptzarov: História

*

Que nos vais oferecer, História,


em teus pergaminhos amarelos?


Fomos apenas homens obscuros,


de fábricas e oficinas.


 


 


Lembrávamos os campos, cheirávamos forte


a cebola e suor.


E por detrás dos bigodes, com raiva,


maldizíamos a vida que levávamos.


 


 


Ao menos deverás ficar agradecida,


já que te engordamos com notícias,


que saciamos tua sêde


com o sangue de massacradas multidões.


 


 


Apenas traçarás o contôrno


mas o fundo será, eu o sei, um grande vazio


e ninguém terá falado


do drama tão simples do homem.


 


 


Os poetas estarão ocupados


com versos e panfletos,


e nosso ignorado sofrimento


seguirá sòzinho no espaço.


 


 


Foi vida que mereça ser descrita?


Vida para ser pesquisada?


Ah! Se alguém lhe tocar,


Sentirá seu gôsto acre do veneno.


 


 


Nascíamos nos campos, ao acaso,


e no abrigo das matas espinhosas


onde nossas mães nos pariam transpirando,


mordendo os lábios ressecados.


 


 


Morríamos como môscas no outono


E no dia dos mortos as mulheres choravam,


transformando em canções os seus lamentos


que apenas os cardos escutavam.


 


 


Nós os que sobrevivemos


suávamos por todos os poros


e trabalhávamos onde quer que fôsse


como bêstas.


 


 


Em nossos lares, nossos pais glosavam:


“Assim será porque sempre foi assim”


mas nós rugíamos e cuspíamos


sobre sua estúpida filosofia.


 


 


Deixávamos a mesa sem comer,


fugíamos de casa


para onde uma esperança nos chamasse


com seu sôpro e sua luz.


 


 


Oh, como esperávamos angustiados


nos cafés atulhados de gente!


E voltávamos tarde pela noite


trazendo as últimas notícias.


 


 


Mas se as esperanças nos acalentavam,


o céu pesava sombrio e baixo


e o vento soprando nos queimava


a ponto de não podermos suportar.


 


 


Em teus infinitos volumes,


através de tôdas as tuas páginas,


nosso sofrimento mostrará sua face endurecida,


chorando amargamente.


 


 


Porque a vida sem piedade,


com suas garras de fera


golpeou nossos rostos famintos


e por isto ficou áspera minha voz.


 


 


Por isto os poemas que hoje escrevo


nas horas roubadas ao sono


não têm o perfume das rosas


mas um breve e lacerado ritmo.


 


 


Por nossos sofrimentos


não pedimos recompensas.


Não queremos nossos retratos


nas páginas de tuas obras.


 


 


Conta nossa história simplesmente


àqueles que não iremos conhecer


E dize aos que nos substituírem


que lutamos com valor.


 


 


 


 


Nikola Vaptzarov


Vinte Poemas


Tradução de Wânia Filizola


Editôra Leitura S.A. – edição 1965