Nikola Vaptzarov: História
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Publicado 10/04/2007 23:39 | Editado 13/12/2019 03:30
Que nos vais oferecer, História,
em teus pergaminhos amarelos?
Fomos apenas homens obscuros,
de fábricas e oficinas.
Lembrávamos os campos, cheirávamos forte
a cebola e suor.
E por detrás dos bigodes, com raiva,
maldizíamos a vida que levávamos.
Ao menos deverás ficar agradecida,
já que te engordamos com notícias,
que saciamos tua sêde
com o sangue de massacradas multidões.
Apenas traçarás o contôrno
mas o fundo será, eu o sei, um grande vazio
e ninguém terá falado
do drama tão simples do homem.
Os poetas estarão ocupados
com versos e panfletos,
e nosso ignorado sofrimento
seguirá sòzinho no espaço.
Foi vida que mereça ser descrita?
Vida para ser pesquisada?
Ah! Se alguém lhe tocar,
Sentirá seu gôsto acre do veneno.
Nascíamos nos campos, ao acaso,
e no abrigo das matas espinhosas
onde nossas mães nos pariam transpirando,
mordendo os lábios ressecados.
Morríamos como môscas no outono
E no dia dos mortos as mulheres choravam,
transformando em canções os seus lamentos
que apenas os cardos escutavam.
Nós os que sobrevivemos
suávamos por todos os poros
e trabalhávamos onde quer que fôsse
como bêstas.
Em nossos lares, nossos pais glosavam:
“Assim será porque sempre foi assim”
mas nós rugíamos e cuspíamos
sobre sua estúpida filosofia.
Deixávamos a mesa sem comer,
fugíamos de casa
para onde uma esperança nos chamasse
com seu sôpro e sua luz.
Oh, como esperávamos angustiados
nos cafés atulhados de gente!
E voltávamos tarde pela noite
trazendo as últimas notícias.
Mas se as esperanças nos acalentavam,
o céu pesava sombrio e baixo
e o vento soprando nos queimava
a ponto de não podermos suportar.
Em teus infinitos volumes,
através de tôdas as tuas páginas,
nosso sofrimento mostrará sua face endurecida,
chorando amargamente.
Porque a vida sem piedade,
com suas garras de fera
golpeou nossos rostos famintos
e por isto ficou áspera minha voz.
Por isto os poemas que hoje escrevo
nas horas roubadas ao sono
não têm o perfume das rosas
mas um breve e lacerado ritmo.
Por nossos sofrimentos
não pedimos recompensas.
Não queremos nossos retratos
nas páginas de tuas obras.
Conta nossa história simplesmente
àqueles que não iremos conhecer
E dize aos que nos substituírem
que lutamos com valor.
Nikola Vaptzarov
Vinte Poemas
Tradução de Wânia Filizola
Editôra Leitura S.A. – edição 1965