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Sérgio Vaz: Porém

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Queria ter vivido melhor,


Porém a mediocridade sempre me foi farta e generosa


Nos caminhos que escolhi para viver.


Queria ter sido mais alegre,


Porém a tristeza sempre foi companheira fiel


Nos dias intermináveis de abandono.


Queria ter amado mais as pessoas que conheci


Ou que fingi conhecer,


Porém na maioria das vezes, eu também não me conhecia.


Queria ter andado mais livre,


Porém, algemado à ignorância, perdi muito tempo


Tentando voar sem sequer saber andar.


Queria ter lido mais livros,


Porém, analfabeto de ousadia, passei muitos anos


Enxergando pelos olhos adormecido de outras pessoas.


Também queria ter escritos mais poemas


Do que bilhetes pedindo desculpas,


Porém, as palavras sempre me vieram como culpa


E não como estrelas.


Queria ter roubado mais beijos e abraços


Das meninas que andavam desprotegidas,


Protegidas pela magia da infância,


Porém, cresci muito cedo, e a timidez sempre me foi


Uma lei muito severa a ser cumprida.


Queria ter pensado menos no futuro,


Porém, o passado simples nunca foi o melhor presente


E a eternidade sempre me pareceu coisa de gente que tem preguiça de viver.


Queria ter sido um homem mais humilde


Porém, a vaidade e a ganância sempre me cercaram


De mimos e coisas que até hoje não sei para que serviram.


Queria ter pregado mais a paz,


Porém, como um covarde, gastei muita munição tentando atingir amigos e


desconhecidos que não usavam coletes à prova de balas nem blindados no


coração.


Queria ter sido mais forte,


Porém rir dos vencidos e bajular os mais ricos


Sempre me pareceu o caminho mais curto


Para o esconderijo secreto das minhas fraquezas.


Queria ter dito mais a verdade,


Porém a mentira sempre foi moeda de troca


Para comprar o respeito e a admiração das pessoas fúteis


De almas vazias.


Queria que o mundo fosse mais justo


Porém, avarento de nascença, fui o primeiro a esconder o sol na palma da


mão, antes que o vizinho o fizesse.


E mesquinho por vocação escondi as noites com lua


Para que os poetas não a cortejassem.


Queria ter dito mais besteiras,


Porém fui desses idiotas amantes das proparoxítonas


E sujeito oculto nos bate-papos de botecos de esquinas,


Onde a vida não acontece por decreto.


Queria ter colhido mais flores,


Porém o medo de espinhos afugentou a primavera.


E outono que sempre fui,


plantei inverno quando a terra pedia verão.


Hoje queria ter acordado mais cedo,


Porém temo que pra mim


Seja tarde demais.


 



Assista o video-poema no youtube:


 


http://www.youtube.com/watch?v=SeqB5FWIdSE


 


O vídeo-poema foi feito para divulgar a poesia “Porém”, que faz parte
do livro Colecionador de pedras, da coleção Literarura
periférica da Global Editora.