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Tempos Modernos e o capital: quando somos Chaplin na linha de montagem

Em 1936, Charlie Chaplin interpretou um operário de fábrica no filme Tempos Modernos. Sua cena mais memorável ocorre em uma linha de montagem onde Chaplin se esforça para acompanhar a rápida correia transportadora.

Por Meagan Day, na Jacobin

Tempos Modernos (Chaplin)

Um gênio da comédia, Chaplin o faz com grande efeito. Ele freneticamente sopra uma abelha pairando em torno de sua cabeça enquanto seus braços se agitam na maquinaria. Ele para para se coçar e deve fechar a linha e trabalhar duas vezes mais rápido para voltar a seu posto. Quando seu intervalo finalmente chega, seu corpo reproduz reflexivamente os movimentos mecânicos repetitivos.

Outro gênio da comédia, Lucille Ball, fez uma cena semelhante em 1952 em I Love Lucy. Lucy e sua amiga Ethel trabalham em uma fábrica de chocolate, onde a tarefa é embrulhar as guloseimas que passam pela linha de montagem. No começo, é uma coisa fácil; mas, à medida que a correia transportadora acelera, as mulheres são pegas de surpresa – e começam a enfiar desesperadamente chocolates em suas bocas e roupas, na tentativa de escondê-lo do supervisor.

Quando o supervisor volta, não há doces à vista. “Você está fazendo esplendidamente”, observa, e manda o operador da esteira “acelerar um pouco!”

Para o crítico Arthur Koestler a comédia brota do “choque” de “dois códigos mutuamente incompatíveis, ou contextos associativos”. O que torna aquelas cenas de linha de montagem tão marcantes e atemporalmente engraçadas é precisamente isto: uma justaposição de duas perspectivas incongruentes, a dos gerentes e a dos trabalhadores, dramatizadas pela pantomima estranha dos atores.

Essas cenas só podem fazer sentido, e provocar risadas, sob o capitalismo, onde as vontades do trabalhador e do patrão estão fundamentalmente em desacordo. Os trabalhadores querem conforto e liberdade, mas executam suas tarefas bem o suficiente para manter seus empregos. Os patrões querem o máximo de lucro e, portanto, a produtividade máxima de cada trabalhador, e vão a extremos ridículos para obtê-los.

Ambas as cenas divertiram o público, na sequência do taylorismo, ou a “gestão científica” do trabalho. Seu criador, Frederick Winslow Taylor, projetou sistemas complexos para extrair o máximo possível da mão-de-obra de cada trabalhador.

Em seu livro Trabalho e Capital Monopolista: A Degradação do Trabalho no Século 20, o economista marxista Harry Braverman descreveu desse modo o taylorismo:

“A assim chamada gestão científica é uma tentativa de aplicar os métodos da ciência aos problemas cada vez mais complexos do controle do trabalho em empresas capitalistas em rápido crescimento. Faltam as características de uma verdadeira ciência, porque suas suposições não refletem nada mais que a perspectiva do capitalista em relação às condições da produção. Começa, apesar dos protestos ocasionais em contrário, não do ponto de vista humano, mas do ponto de vista capitalista, do ponto de vista do gerenciamento de uma força de trabalho refratária em um cenário de relações sociais antagônicas. Não tenta descobrir e examinar a causa dessa condição, mas a aceita como 'natural' e inexorável. Investiga não o trabalho em geral, mas a adaptação do trabalho às necessidades do capital”.

Braverman acrescenta que o taylorismo não é uma “ciência do trabalho”, como seus defensores costumam dizer. É a “ciência da administração dos outros” sob condições capitalistas. Não é a melhor maneira de fazer um trabalho “em geral” que Taylor estava procurando… mas uma resposta para o problema específico de como controlar melhor o trabalho alienado – “isto é, a força de trabalho que é comprada e vendida”.

A palavra-chave aqui é controle. A gestão científica era e continua sendo uma questão de implementar sistemas que limitam a amplitude de movimento dos trabalhadores, tirando deles o menor controle possível sobre a velocidade com que executam as tarefas.

O objeto direto do controle é o tempo dos trabalhadores. É daí que vem a ideia da correia transportadora: ela não se move na velocidade que o trabalhador gostaria, mas na velocidade que o patrão quer. O operário é então obrigado a trabalhar nessa velocidade, seja ou não seja confortável. Quem deixar de acompanhar o ritmo da máquina pode ser punido com a demissão, e é por isso que Charlie inutilmente sopra a abelha e Lucy engole balas descontroladamente.


Em I Love Lucy, operárias de uma fábrica de chocolate são surpreendias com a aceleração da correia transportadora

Antes de Taylor começar a mudar as coisas, no final do século 19 os trabalhadores não qualificados em grandes fábricas já estavam sujeitos a intensa supervisão, que impunha tempos mínimos rigorosos de produção. Mas, quando se tratava de artesãos – que formavam parcela significativa da força de trabalho –, geralmente não valeria a pena para os chefes despedirem um trabalhador e contratar um substituto. Se um marceneiro estivesse trabalhando num ritmo mais lento do que seu patrão desejava, azar. Não havia tantos marceneiros qualificados lá fora, e o treinamento era caro.

O próprio Taylor tinha uma personalidade obsessivo-compulsiva. Braverman observa que, “desde a juventude, ele contava seus passos, media o tempo de suas atividades e analisava seus movimentos em busca de ‘eficiência’”. Esse espírito neurótico ele buscou nas soluções para problemas do trabalho – frouxidão, ou como expressou, o problema da “vadiagem”.

Taylor fez estudos de tempo e movimento observando os movimentos dos trabalhadores qualificados e medindo-os com um cronômetro. Ele e seus acólitos então dividiram os processos, propondo novos arranjos pelos quais um trabalhador individual poderia realizar uma série de movimentos únicos, cada um parte do todo, para produzir o mesmo resultado em significativamente menos tempo. Isso significou mais produtividade e lucros para os capitalistas. Mas, para os trabalhadores, significa trabalho insuportável, aceleração insustentável, lesões por esforços repetitivos e alienação profunda – a sensação permanente de ser uma engrenagem humana secundária em uma vasta e incognoscível máquina.

Taylor gostava de se vangloriar de que “nunca houve uma greve de homens trabalhando sob gestão científica”. Mas isso não se deveu à conciliação dos interesses mutuamente incompatíveis de trabalhadores e capitalistas – ao contrário, era consequência da corrosão do poder operário.

O legado mais duradouro do taylorismo é que despojou os trabalhadores de seu controle individual sobre o processo de produção. Braverman chamou isso de “dissociação do processo de trabalho das habilidades dos trabalhadores. O processo de trabalho se tornou independente do artesanato, da tradição e do conhecimento dos trabalhadores. Daí em diante, não depende de maneira alguma das capacidades dos trabalhadores, mas inteiramente das práticas de administração”.

Antes, se um trabalhador fazia um produto inteiro, agora só faz parte dele, e não tem ideia de como essa parte se liga às outras. Ele é infinitamente substituível, privado da influência que uma vez teve para reter seu valioso trabalho até que as condições mudassem.

A precipitação do taylorismo tem sido bastante sombria para o movimento dos trabalhadores. Não foi totalmente fatal: também produziu novas possibilidades para o sindicalismo industrial em larga escala – e não para o sindicalismo artesanal de pequena escala –, com novos pontos de estrangulamento no processo de produção que, se tomados pela ação coletiva, podem forçar os patrões a fazer concessões. Mas, sob o ataque bem-sucedido de capitalistas cada vez mais ricos contra as instituições do trabalho e a ideologia da emancipação dos trabalhadores, os meios para aproveitar essas novas possibilidades têm escapado à compreensão dos trabalhadores.

Muitos entre os que assistiram e riram das cenas da linha de montagem em Tempos Modernos e I Love Lucy sabiam muito bem qual foi o impacto do taylorismo, no movimento trabalhista como um todo e em suas próprias vidas profissionais, em que entorpeceu suas mentes, agrediu seus corpos e quebrou seus espíritos.

Esse conhecimento íntimo pode apenas tê-los feito rir. Como disse Charlie Chaplin, “o riso é o tônico, o alívio, a dor resultante da dor”.

* Meagan Day faz parte da equipe de Jacobin. Tradução: José Carlos Ruy