Um texto alegre

Vivemos em um país tão medonho que ser artista virou uma profissão perigosa.

Painel de artistas brasileiros l Pintura: Valber Benevides

A nação está triste. Pensei em um texto alegre, busquei coisas bonitas no país. De político lembrei-me de Lula, no dia da sua posse, dedicando a sua vitória a sua mãe, Dona Lindu, uma mulher extraordinária. De religioso me lembrei de padre Ibiapina, que era capaz de distribuir a última saca de farinha com os flagelados na seca e se dispunha a morrer com eles, por pura compaixão. Depois o que me veio foram escritores e poetas com suas narrativas encantadas.

Lembrei-me dos pintores e das suas cores iluminadas. Chegaram-me as bailarinas com suas levezas, saltimbancos e equilibristas dos circos. Chegaram os cineastas e os seus filmes mágicos, apareceram os diretores e os seus atores no teatro vida. Da alma, bem do fundo da alma, vieram as vozes de cantores e compositores: Noel, Pixinguinha, Clementina, Cartola, Nelson Cavaquinho, João do Vale, Clara Nunes, Dalva de Oliveira, Moraes Moreira, Belchior, Tom, Elis… Tantos nomes que brilham no céu, feito estrelas. Pensei na grandeza de Chico Buarque, Caetano Veloso, Elza Soares e Gilberto Gil, entre tantos outros generosos inventores da beleza e da delicadeza brasileira.

A minha lembrança, em fresca memória, trouxe trechos de textos, poemas, sons, ritmos vozes, cores, movimentos, sonhos, encantamentos. Toda a minha alma foi tomada de imensa leveza e de generosa alegria. Nesse momento, cada obra de arte me pareceu uma ponte capaz de unir as muitas ilhas que somos nós nesse profundo isolamento.

De repente, lembrei-me que vivemos em um país tão medonho que ser artista virou uma profissão perigosa. Gostar de arte virou um ato de rebeldia. Uma arte que, muitas vezes, traduzimos pelo ato de abrir a janela e deixarmos entrar o sol. Há passarinhos que ainda cantam e, vez por outra, uma beija-flor desmancha as suas cores no ar, na forma de um arco-íris. Respiro fundo e grito a plenos pulmões: abençoai-nos, Santa Clementina de Nanã Buruquê. Louvado seja, São Pixinguinha de Ogum. Valei-me, São Patativa de Oxalá. Essa luta tem que ser alegre, por mais triste e obscuro que sejam os inimigos da vida, contra os quais lutamos.

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