“Em Um Mundo Melhor”: Raízes da violência

A violência latente é abordada pela diretora dinamarquesa Susanne Bier em filme que se passa simultaneamente em seu país e na África.

       O que gera a violência?, questiona a diretora dinamarquesa Susanne Bier, em “Em Um Mundo Melhor”, que pode ser visto agora em DVD. Ela mesma responde, mostrando diferentes gêneses e nuances, pondo o espectador em contínua tensão. A violência tanto pode vir do pré-adolescente Christian (William Johnk Nielsen), quanto do líder de uma das facções rivais num acampamento de refugiados na África. Mas o que conta é a violência latente no 1º e no 3º Mundo. Embora Bier mescle questões morais e étnicas, através do médico Anton (Mikael Persbrandt), para equilibrar seu filme, este é o tema predominante.

        Mesmo assim Anton não escapa à violência. Ela o colhe ao ser atacado e humilhado por um irado dinamarquês, que ainda ameaça expulsá-lo por ser sueco. Ele e seu filho Elias (Markus Rygaard) são o contraponto a Christian e ao líder da facção étnica africana. O comportamento deste é gerado pela visão dramatúrgica enviesada de Bier e seu roteirista Anders Thomas Jensen, enquanto o de Christian é ditado por seu estado psicológico e a visão que apreende do meio em que vive. Suas razões para usar da violência são logo captadas.

        Christian é trazido de Londres para a Dinamarca pelo pai Claus (Ulrich Tomsen), quando ainda não absorveu a perda da mãe. E se revolta com o bullyng a que é submetido o também pré-adolescente Elias e a agressão sofrida por Anton. E, além disso, se insurge há todo momento contra o pai, a quem culpa pelo que aconteceu à mãe. O espectador tende, assim, a entender o uso que faz da violência. Com o líder da facção africana é diferente. É criada em torno dele a áurea de mal absoluto, portanto um estereótipo hollywoodiano.

       Isto quando se sabe que as facções que agem nos campos de refugiados, apresentados pela mídia burguesa como “simples bandidos”, representam as divisões políticas e étnicas de seus países de origem. Bier repete a mesma visão falaciosa da mídia dominante. Transforma o líder da facção étnica africana num genocida frio, sádico, maníaco-sexual. E retira dele a motivação política de estar em confronto com as facções rivais. De onde vem sua condenável violência. Os refugiados africanos não são, portanto, um amontoado de vítimas do dito líder, como nos farwest. É mais complexo do que o abordado por Bier.

Líder africano é
“mal absoluto”

       No entanto, a ação que se dá no campo de refugiados tem apenas o objetivo de consolidar a integridade ética e moral de Anton, adepto da não violência, integrante da organização Médicos Sem Fronteiras. Sua integridade, entretanto, é posta à prova ao deixar que o líder da facção étnica africana seja linchado pela facção rival. Simplesmente porque é caracterizado no filme como o mal absoluto. Ele é um personagem linear, chapado, de um só comportamento. Não leva o espectador a tentar decifrá-lo. Ao contrário de Christian, cheio de nuances, multifacetado, que o põe a seu favor. E mostra a posição de Bier quanto ao conflito no acampamento de refugiados africanos.

      O que conta em seu filme é a forma como ela e Jensen opõem ambas as violências: a do campo de refugiados e a que emerge através do comportamento de Christian e Elias. Esse é seu foco de interesse. Ele está visível em ambos os casos. Nas crianças africanas famintas, tendo como único sonho a bola de futebol, nos corpos dilacerados das adolescentes, na violência institucionalizada pelos EUA e seus aliados europeus, que desestruturaram Somália e Etiópia durante a Guerra Fria, para evitar que se consolidassem como países socialistas. E agora, de olho no petróleo e outras riquezas minerais, fazem o mesmo com Iraque, Líbia e Afeganistão.

      Estas são questões que ajudam contextualizar o filme. As origens da violência no acampamento de refugiados, por mais escamoteadas sejam, são identificáveis. O mesmo se dá com as ações de Christian. Embora tenham motivações diferentes, ambas vitimam pessoas inocentes. Quando ele, Christian, ataca com ferocidade o garoto que usou bullyng contra Elias, o espectador ainda entende. Mas fica apreensivo ao vê-lo atrair Elias para vingar a humilhação sofrida por Anton. Ele se mostra mais engenhoso, pesquisa na internet, monta o artefato, instala-o para, como vingador-juiz, usar o outro para se vingar do pai, pelo que ocorreu à mãe.

     É outro contexto da violência. Não mais o político-ideológico do campo de refugiados. Reflete mais o estado psicológico de Christian, combinado com conflitos pessoais como as agressões sofridas por Anton diante dele e de Elias. Só que ele, Christian não as diferencia. Daí, não medir as consequências de seus atos. Sãos eletrizantes as sequências em que ele põe seus planos em execução. É cerebral, meticuloso. Diferente do sensível Elias, que tenta reunir o pai Anton e a mãe Mariane (Trine Dyrholm), divorciados, para que ele e o irmão Morten (Toke Lars Buarke) possam ser uma família de novo. É uma tentativa de trazer o humano para o primeiro plano. Não é ruim.

Em Um Mundo Melhor”. (“Haeunen”). Drama. Suécia/Dinamarca. 2010. 118 minutos. Argumento: Susanne Bier/ Anders Thomas Jensen. Roteiro: Anders Thomas Jensen. Fotografia: Morten Soborg. Música: Johan Soderquist. Elenco: Mikael Persbrandt, William JHohnk Nielson, Mirkus Rygaard, Ulrich Thomsen.

(*) Oscar de Filme Estrangeiro 2010, Globo de Ouro de Filme Estrangeiro 2010.

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