A derrota americana no Oriente Médio

Ninguém pode prever ao certo quando os americanos sairão do Oriente Médio, especialmente do Iraque, ocupado desde o dia 19 de março de 2003 e mesmo se saíssem hoje, não podemos prever se seria da mesma forma como saíram em 1975 do Vietnã, ou seja, es

A estratégia americana


 


Os anos Bush Jr. vão entrar para a história como o período em que os neocons (ou novos conservadores) dominaram completamente a cena política do país. Falava-se de um “novo século americano” (New American Century), com uma imensa supremacia estadunidense no Oriente Médio e em todo o mundo. Uma espécie de consolidação do mundo unipolar estabelecido desde a derrota do Iraque na 1ª Guerra do Golfo em 1991 e do fim da União Soviética nesse mesmo ano.


 


 


Mas quais eram mesmo os objetivos dos americanos para o Oriente Médio?


 


Basicamente, desde o início da década de 1970, no auge da Guerra Fria, eram três: 1. Combate feroz ao comunismo; 2. Apoiar todas as elites conservadoras, reacionárias e ultra religiosas e 3. Garantir o fluxo constante de petróleo para abastecer a máquina industrial americana (1).


 


 


 


No geral, esses três objetivos vêm sendo alcançados com relativo sucesso, mas o último em particular poderia ter algum risco, na medida em que o fracasso do golpe de abril de 2002 na Venezuela e a volta do presidente Chávez ao poder pode ter colocado em risco a estabilidade do fluxo de petróleo Venezuela aos EUA (mais tarde, nesse mesmo ano em dezembro, tentou-se um novo golpe, através de uma pseudo greve dos trabalhadores da indústria de petróleo a PDVSA).


 


 


No entanto, há que se fazer um balanço das alianças que os americanos apoiaram e seguem apoiando na região do Oriente Médio e seus resultados concretos e práticos. E mais particularmente os erros estratégicos das alianças estabelecidas após a ocupação do Iraque. É preciso dizer em alto e bom som que a tentativa americana de transformar profundamente o Oriente Médio e para lá levar a “democracia ocidental” foi derrotada e falhou completamente.


 


O caso do Iraque é o mais emblemático. A política americana para esse país foi errática, flutuante. Apoiou firmemente o governo do Partido Baath, de sunitas, liderado por Saddam Hussein desde o início de 1980, quando se inicia a guerra contra o Irã, dos fundamentalistas e xiitas então liderados pelo aiatolá Khomeini, líder da revolução islâmica de 1979 que derrotou a ditadura do Xá Reza Pahlevi. Na guerra de 1991, quando derrotou Saddam, resolveu, por motivos que não vem ao caso aqui comentar, decidiu não invadir o país, deixando que Saddam seguisse no poder. Mas, enfraqueceu o país, impôs um forte bloqueio econômico. Já após a invasão de 2003, estabeleceu uma aliança tática com os xiitas, cujo projeto de poder é bem antigo, mas nunca materializado nos últimos 30 anos, quando o país foi governado por secularistas sunitas.


 


O erro central foi esse. Destruiu um governo e um estado secularista e apoiou partidos vinculados a xiitas, radicais e fundamentalistas que colocarão em xeque a proposta de mudança de concepção de nação, de estado e mesmo de governo. Claro que, sabemos disso, parte dos xiitas também são secularistas. Mas os que hoje dominam a política iraquiana não o são, especialmente os membros do grupo Conselho supremo da Revolução Islâmica no Iraque e os partidários do grupo de Moqtada Al Sadr. Nesse contexto, os americanos seguem tendo como aliados, mais uma vez, a Casa de Saud, da Arábia Saudita e Israel, dois dos pólos mais reacionários e conservadores de todo o Oriente Médio. O caldeirão foi destampado e a vontade antiga dos xiitas de construir no Iraque uma República Islâmica veio à tona com o fortalecimento dos xiitas apoiados pelos americanos. Um erro estratégico que os Estados Unidos pagarão ainda muito caro por isso.


 


O islã ou o caos?


 


Esse sugestivo título foi tema de um excelente artigo do jornalista Antônio Luiz Costa, da Revista Carta Capital (2). Ainda que eu venha advogando a tese de que o centro da questão no Oriente Médio, seja na Palestina, seja no Iraque ou em outro país qualquer, não seja um problema religioso, mas sim essencialmente político, de disputas de territórios, de terras e de geopolítica, há, por certo, componentes políticos.


 


Não tenho números e dados que comprovem o que vou dizer em termos de percentuais, mas é quase certo que de cada dez pessoas nessa região, pelo menos nove sejam muçulmanas. Ali, na península arábica, nas cidades de Meca e Medina, Maomé, ou Mohammad para os árabes, teria recebido os versículos do Al Corão, revelados a ele diretamente pelo Arcanjo Gabriel, enviado de Deus para que ele construísse uma religião para os árabes.


 


A indagação é a seguinte: é possível pensar a região como um todo sem levar em conta os aspectos e a influência e o papel que joga o Islã? É correto colocar, como o fazem muitos dos tais analistas internacionais, um sinal de igualdade entre os fundamentalistas e os “terroristas”? Cremos que não.


 


Aqui há outro sinal claro dos erros da tática e da estratégia dos americanos para a região. Não negociar e não fortalecer em passado mais distante os nacionalistas e defensores do pan-arabismo, fez crescer as correntes do Islã mais fundamentalistas, mais apegadas aos “fundamentos”, às teses do purismo, dos setores que não estabelecem alianças, que não dialogam com outras pessoas que não sejam de sua própria religião. Hoje, esses setores estão muito isolados, são minoritários e quando muito só atraem para as suas idéias, setores dos servidores públicos e uma pequena parte da classe média. Cresceu e muito a força dos fundamentalistas, dos radicais, dos mais “puros” do Islã, as irmandades muçulmanas, nos moldes das que começaram a existir no Egito na primeira metade do século 20.


 


Com o enfraquecimento das idéias marxistas na década de 1980, de fato, apenas a linguagem do Islã, da religião faz sentido para uma grande parcela da população, especialmente as mais pobres. Até porque desde a morte de Gamal Abdel Nasser em 1970, esses setores mais patrióticos e nacionalistas vêm se enfraquecendo cada vez mais.


 


O caso mais emblemático tem sido a Palestina. Desde Clinton e todo o tempo de Bush Jr. A tática foi enfraquecer Yasser Arafat, até sob o pretexto de que ele era “fraco” e fez-se de tudo para desmoralizá-lo. No caso de Israel, não só não se negociava com Arafat, como se exigiu que a constituição palestina fosse alterada para implementar o parlamentarismo de forma a que Arafat ficasse como “presidente” da Autoridade Palestina, mas quase sem poder e as negociações fossem conduzidas por pessoas mais “moderadas”. Mas deu em nada. Pior do que isso: o primeiro Ministro Palestino hoje, Mahmoud Abbas encontra-se desmoralizado, sem forças, é um técnico e burocrata praticamente sem voto e que acaba de nomear um governo ainda mais sem representatividade.


 


Israel – que arrecada boa parte dos impostos do povo palestino – acabou por bloquear esse dinheiro, que não lhes pertence, mas sim ao povo palestino e a seu governo, acaba de liberar o dinheiro retido, mas não para o governo do Hamas, que teve ampla vitória nas últimas eleições, mas para um “primeiro Ministro” sem voto algum, Salam Fayyad, recém nomeado. O impasse esta criado, pois duas pessoas apresentam-se como “primeiro Ministro” do povo palestino. Era tudo o que não precisávamos para avançar na luta nacional e na unidade do povo palestino.


 


De fato, a tal “nova democracia” e “novo Oriente Médio” já quase não se ouve mais falar em Washington e Condoleeza Rice silenciou-se completamente. Praticamente todas as eleições livres e diretas que ocorreram nos últimos anos nessa região, ou foram vencidos por radicais e fundamentalistas, como no caso do Iraque e na Palestina, ou estes cresceram exponencialmente, como no Egito e Líbano. O futuro vai ficando cada vez mais nebuloso e em toda a região, de forma que ninguém poderá prever o futuro.


 


Nota


 


(1) Ver artigo “E os xiitas do Iraque seguem o Irã”, de autoria de John Cole, publicado no jornal Estadão de 4 de fevereiro de 2007, Caderno Aliás, página J4.


 


(2) Edição de 30 de maio de 2007, página 10 a 14.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor