Guadalupe Carniel: Meu erro

Poderia começar falando sobre o dia Internacional da Mulher. Do quanto ainda temos que lutar, do quanto o futebol despreza a gente e do quanto times usam essa data pra se promover, ao invés de gerar reflexões, salvo raros casos. Ou ainda Arturo Vidal, do Chile que veio em defesa das jogadoras da seleção que faz 18 meses que não tem salários e nem suporte técnico e que as jogadoras por vezes tem que pagar os custos de viagem, lembrando que terremos Copa América Feminina neste ano.

Romero Paraguai

Mas hoje o assunto é outro que também preocupa; a xenofobia. Tudo começou com Angel Romero que declarou que o Santos era um “time pequeno” por comemorar empate com o Corinthians. O jogo que terminou empatado, com muitos lances duvidosos, e ainda uma morte a 50 km de distância contrariando toda e qualquer (i)lógica de jogos com mando único, provando, como lembrou o amigo jornalista Gabriel Britto que o estádio é o lugar mais seguro para os torcedores.

Na última terça-feira, Romero veio a público. Falou por treze minutos. E foi o suficiente. Assumiu o erro. E o aceitou. Mas também trouxe a público algo que deveria preocupar: o preconceito que sofre apenas pelo fato de ser paraguaio nos últimos 4 anos que vive no Brasil. Como ressaltado por Romero e na quarta por Balbuena, também paraguaio, parte da imprensa, trata sempre de fazer “piadas” relacionadas a origem dos atletas (aqui muito em aspas, já que isso na realidade é apenas um discurso de ódio travestido de algo legitimado pela cultura do “futebol é diversão”).

Após a declaração, choveram comentários de torcedores de que ele deveria sair e coisas do tipo, mas em nenhum momento pela técnica do jogador e sim pela declaração e por sua nacionalidade. E por parte da imprensa, as manchetes eram que “Romero em nenhum momento pediu desculpas pelo que disse, no máximo disse ‘eu errei’.” Como se dizer isso não fosse o bastante, já que admitir o erro também é uma forma de pedir desculpas. Mas e quanto à xenofobia? Bom, foi varrida para debaixo do tapete. Porque infelizmente o racismo, a xenofobia, machismo e homofobia por exemplo, machucam “só” quem ouve e sofre com isso.
Angel não explicitou apenas o que ele vive; mas a realidade de bolivianos (o que são chamados de cocaleros, costureiros, índios e por aí vai), de paraguaios, venezuelanos, colombianos que vivem no Brasil. Isso só pra ficar na América Latina. Ah, já ia me esquecendo: e o que dizer das propagandas e das alfinetadas sempre que possível nos argentinos por parte da mídia?

O Brasil não é apenas um. São dois. Um que é aquela imagem vendida tanto pra gringa, mas principalmente pra nós, que está arraigado no seio da nossa cultura que determina que “somos o país do futebol, do samba em que todos são bem-vindos e somos um povo amistoso”. E um outro. Muito mais cruel, cheio de intolerância e ódio escancarados. Este segundo, geralmente é tratado de maneira superficial e boba pelo primeiro Brasil descrito. Ou ainda os preconceitos são velados e fazem parte de uma forma estrutural e cultural de legitimar e disseminar crimes, os banalizando.

Sei que para muitos é difícil acreditar, mas jornalismo esportivo, também é jornalismo. Parece óbvio, mas não é. Muitos acreditam que ele deve ser baseado em achismos e piadinhas porque, afinal, é só um esporte “é o nosso futebol”. Mas o jornalismo tem função social. Informar, analisar e mais do que isso, promover reflexão.

Enquanto ele for tratado assim e tratar o futebol dessa maneira, não sairemos do lugar. As piadas vão continuar, as lutas serão jogadas pra debaixo do tapete, porque para alguns o que tem protagonismo são os jogadores em campo. Mas o espetáculo vai bem além disso.

Ah, eu não ter feito texto sobre o dia das Mulheres? Sim, eu também errei. Eu deveria ter feito. Mas eu também posso falar sobre o quanto as mulheres ajudaram na construção do futebol e em transformá-lo em algo magistral, desde arquibancadas a diretoria. Para nós tudo isso ainda fica relegado em segundo plano. Mas no que depender não só de nós mulheres, mas de muitos homens também, a situação vai mudar. Porque o futebol é isso. É pra todos