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Serraglio faz ameaças para evitar que seu relatório seja bombardeado

A CPI dos Correios deve debater e votar nesta quarta-feira o relatório final da Comissão, apresentado na semana passada pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). O relator, que recebeu uma enxurrada de críticas por causa das falhas no relatório, nega-se a

Às vésperas da votação do relatório final da CPI dos Correios, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) resolveu chantagear a base do governo. Serraglio, que é relator da CPI, deu um recado ontem (3/4) para os congressistas que pretendem retirar do relatório final as afirmações infundadas sobre a existência do "mensalão": o deputado ameaçou rever a versão original do relatório e indicar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometeu crime de responsabilidade se houver mudança no documento. No relatório apresentado na semana passada, Serraglio diz que Lula sabia da existência do suposto "mensalão", mas não seria responsável, pois deu ordens para apurar o esquema logo que foi informado.

 

No relatório a ser votado nesta quarta-feira (5/4), Serraglio —contrariando todas as evidências— afirma que o "mensalão" existiu e descartou a tese de que o dinheiro repassado por meio das empresas de Marcos Valério Fernandes de Souza tinha como destino o pagamento de dívidas de campanha não contabilizadas. O relator não apresenta argumentos convincentes para defender tal tese.

 

Serraglio afirmou que, caso os governistas tenham voto para alterar o texto, prevalecerá a tese de que parte do dinheiro que passou pelas contas de Valério tinha como destino a campanha de 2002 do presidente Lula. Na opinião de Serraglio, isso pode configurar crime de responsabilidade.

 

"Ou nós temos gente recebendo dinheiro do mensalão ou o dinheiro ia para o Lula e para a campanha do presidente. Para mim, o dinheiro ia para os mensaleiros. Agora, se eles [petistas] apontam que não tem mensaleiro, querem que eu indique que houve crime de responsabilidade [por parte do presidente]", disse Serraglio.

 

O caixa dois, inclusive, é o argumento usado pelo relator para pedir o indiciamento por crime eleitoral do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Serraglio afirmou que Azeredo não é indiciado por crime de responsabilidade porque o senador perdeu a eleição de 1998 ao governo Minas Gerais, financiada ilegalmente.

 

Relatório paralelo

 

Serraglio afirmou que mantém seu relatório intacto, mesmo diante das críticas feitas por governistas e oposicionistas. A única proposta que Serraglio admite incluir em seu relatório é a citação do banqueiro Daniel Dantas e as suspeitas de que seria uma das fontes do valerioduto. O texto apresentado na semana passada estranhamente não cita o nome do banqueiro que, segundo informações que circularam na imprensa, estaria sendo protegido por um dos sub-relatores da CPI, o deputado ACM Neto (PFL-BA).

 

Os governistas querem, além de retirar do texto a tese do "mensalão", mudar os pedidos infundados de indiciamento contra o ex-deputado José Dirceu e contra o ex-ministro Luiz Gushiken.

 

Os petistas devem apresentar um relatório paralelo, corrigindo os graves erros contidos no documento preparado por Serraglio, entre eles a afirmação de que os recursos distribuídos por Marcos Valério eram utilizados para "comprar" votos de parlamentares.

 

A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), rechaçou afirmações de que a iniciativa é uma maneira de inviabilizar a CPI, sem que seja produzido um relatório final que possa ser encaminhado ao Ministério Público. "Nós temos convicção que o relatório final será aprovado. Nós estamos num processo de negociação com o relator, apresentando documentos de acordo com a base de dados da própria CPI e mostrando que há equívocos", afirmou a líder petista. "O que não for possível acrescentar no relatório, vamos apresentar em voto em separado", acrescentou a senadora.

 

A senadora também considerou, na semana passada, que o relatório deveria ter sido mais técnico e menos político e estranhou que um advogado como Serraglio tenha produzido um relatório com tantos erros jurídicos.

 

Ideli afirmou que no relatório paralelo que está sendo produzido muitos dos pedidos de indiciamentos foram excluídos porque, segundo avaliação governista, não tem base jurídica para sustentá-los. "Pedido de indiciamento só pode ser feito com prova inequívoca, o que não tiver prova tem de ser repassado ao Ministério Público", afirmou Ideli.

 

O PT quer ainda que o relatório estabeleça que o esquema de Valério começou com a coligação PSDB-PFL, na campanha de reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais em 1998, e se estendeu durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

 

"O esquema Marcos Valério é antigo de quase 10 anos, lá na coligação PSDB-PFL em Minas Gerais e sabemos que ele continuou atuando em ministérios do Fernando Henrique e continuou no governo atual", afirmou Ideli.

 

Em entrevista ao jornal O Globo, o novo ministro da Articulação Política, Tarso Genro, defendeu o direito do PT apresentar um relatório paralelo. "Um partido atingido tem todo o direito de apresentar o relatório (alternativo) ". Genro, porém, fez questão de frisar que a posição do PT não significa necessariamente a posição do governo.

 

Segundo o ministro, o governo quer um texto que apenas relate as investigações e os depoimentos e se dispa de qualquer conclusão. "Algumas conclusões são próprias do poder Judiciário. O dever do relator é relatar a investigação e os depoimentos, os juízos de valor não são atribuição dele", afirmou Tarso, na semana passada.

 

Desrespeito, mentira e difamação

 

O fato que chama atenção é que a grande quantidade de pedidos de indiciamento e as falhas primárias que Serraglio cometeu ao elaborar seu relatório têm provocado, desde a semana passada, uma enxurrada de críticas.

 

O ex-ministro Jaques Wagner, apontado levianamente no relatório como facilitador de negócios entre a empresa GDK e a Petrobras, afirmou que, se mantida a acusação, vai processar Serraglio por calúnia. "Esse pessoal atira para efeito de mídia", afirmou.

Na opinião do relator, o fato de o ministro ter uma filha que trabalha na empresa e de ter recebido recursos para sua campanha indicariam benefícios indevidos à empresa GDK.

 

Os petistas dizem que outros senadores têm parentes no quadro da empresa e receberam, ao mesmo tempo, recursos de campanha da GDK. "Se é para fazer esse tipo de ilação, que se faça para todos", afirmou Salvatti.

 

Outro petista,  Luiz Gushiken, chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, elaborou um documento intitulado Fatos & Verdades no qual faz duras críticas à "proliferação de comportamentos abusivos, danosos à imagem pública de instituições e pessoas inocentes" que tomou conta da CPI dos Correios durante seu processo investigativo.

 

Segundo ele, o "palco da CPI” acabou adotando uma “regra inquisitorial”, segundo à qual “a suspeição equivale a prova". Com essa máxima, na avaliação de Gushiken, a comissão parlamentar transformou-se em "terreno fértil para disseminar o veneno do desrespeito, da mentira e da difamação" – armas usadas pelos adversários do governo Lula na guerra política que se armou a partir de então, com o único objetivo de conquistar o poder e destruir reputações.

 

O advogado do ex-ministro José Dirceu ( Casa Civil ), José Luiz de Oliveira Lima, classificou o relatório como "peça fictícia". Dirceu foi acusado de corrupção ativa.

 

Para o advogado do ex-presidente do PT, José Genoino, Luiz Fernando Pacheco, "o relator exagerou". "O indiciamento não tem base técnica", declarou. Genoino foi acusado por crimes eleitorais, de falsidade ideológica e corrupção ativa.

 

Os presidentes dos fundos de pensão Previ (Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Petros (Petrobras) negaram ter promovido operações fraudulentas e também repudiaram as conclusões da CPI dos Correios.

 

O deputado Jamil Murad (PCdoB-SP) também fez críticas ao documento. Jamil identifica no relatório "muitos aspectos unilaterais e facciosos, que tentam inocentar, quando o comprometimento é do lado da oposição, e tentam incriminar, quando é da situação".

 

Divisão dos votos

 

A CPI dos Correios é composta por 32 parlamentares (16 senadores e 16 deputados). Pela Câmara, participam os deputados Carlos Abicalil (PT-MT), Jorge Bittar (PT-RJ),  Maurício Rands (PT-PE), Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), Sandro Mabel (PL-GO), Asdrubal Bentes (PMDB-PA), Osmar Serraglio (PMDB-PR), Fernando Diniz (PMDB-MG), Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), Onyx Lorenzoni (PFL-RS), Eduardo Paes (PSDB-RJ), Gustavo Fruet (PSDB-PR), Nélio Dias (PP-RN), Nelson Meurer (PP-PR), Denise Frossard (PPS-RJ) e Álvaro Dias (PDT-RN). Pelo Senado, participam: Heráclito Fortes (PFL-PI), César Borges (PFL-BA), Demóstenes Torres (PFL -GO), Sérgio Guerra (PSDB-PE), Álvaro Dias (PSDB-PR), Luiz Otávio (PMDB -PA), Wirlander da Luz (PMDB-RR), Maguito Vilela (PMDB-GO), Ney Suassuna (PMDB-PB), Delcídio Amaral (PT-MS), Ideli Salvati (PT-SC), Roberto Saturnino (PT-RJ),  Aelton Freitas (PL-MG), Jefferson Peres (PDT-AM), Fernando Bezerra (PTB-RN) e Heloísa Helena (PSOL-AL).

 

A oposição alega que tem 14 votos seguros na CPI e avalia que poderá contar também com os de Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) e Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), dois nomes que os governistas acreditam que votariam com eles. "Meu voto é com Osmar Serraglio", garantiu Faria de Sá. O deputado Asdrúbal Bentes, aliado de Jardes Barbalho, também manifestou a intenção de votar com o relator. "Sou aliado de Jader, mas ele não me obrigaria a votar contra o relatório", disse.

 

Caso seja aprovado nesta terça-feira, o relatório será enviado ao Ministério Público e servirá de base para que as denúncias tenham andamento e eventuais investigações sejam realizadas. "É bom deixar claro que a CPMI não pune ninguém e não cassa parlamentar. Nós apenas apresentamos as provas e os indícios, para que as autoridades competentes executem a ação penal", declarou o presidente da comissão, senador Delcidio Amaral (PT-MS).

 

Além do Ministério Público, outros órgãos também poderão compartilhar informações antes restritas a determinadas esferas da administração pública. Os sigilos fiscais quebrados pela comissão, por exemplo, estarão à disposição da Receita Federal, da Polícia Federal, do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Por outro lado, se o relatório não for aprovado, todas essas informações serão mantidas sob sigilo no Congresso Nacional.

 

O relatório, composto por três volumes com mais de três mil páginas, está disponível no site do Senado (veja a íntegra do documento).

 

Da redação,
Cláudio Gonzalez