Helena Chagas: “Aldo Rebelo exerceu o papel que lhe cabe”

Em texto publicado em seu blog no portal Globo.com, a jornalista Helena Chagas comenta os atos de vandalismo que presenciou hoje no prédio da Câmara dos Deputados. Para a jornalista, "há muito, muito tempo mesmo, não se via uma ma

Meninos, eu sobrevivi

por Helena Chagas*

Gente, acabo de voltar do Congresso. Já vi muita manifestação ali nesses vinte anos de labuta na reportagem política. Manifestante jogando dinheiro das galerias em cima de deputado, corredor polonês para quem ia votar pela reforma da Previdência, vidros da porta quebrados, porrada para lá e para cá…Mas nunca vi tanto vandalismo e quebra-quebra no patrimônio público. Tantos feridos assim (mais de vinte) acho que não temos desde os tristes tempos do governo militar (e com a diferença de que eram eles quem batiam).

Mas vou contar o que vi, com esses olhos que a terra há de comer. A imagem símbolo acho que foi a do manifestante do MLST com a cabeça do busto de Mario Covas — um político que foi exemplo de seriedade –, atirado escada abaixo e quebrado, debaixo do braço como se fosse um troféu. Troféu ao vandalismo, à selvageria, à ignorância. Vidros quebrados e estilhaçados pelo chão, gesso do teto caindo, luminárias arrebentadas, o salão verde invadido num clima de tensão há muito não visto. A ponto de um deputado, no meio da tarde, chegar para outro e dizer: "vamos sair logo daqui porque a tropa de choque da PM está chegando e vai ter porrada para tudo que é lado".

Felizmente, não chegou. O presidente da Casa, Aldo Rebelo, teve sangue frio o suficiente para não deixar a PM entrar no Congresso mas, ao mesmo tempo, agir de forma dura, determinando que os manifestantes responsáveis pelas agressões só sairiam presos. Posso estar enganada, mas não me lembro de ter visto jamais um presidente da Câmara, lá do plenário, mandar prender alguém. Mas como autoridade máxima daquele território ele tem essa prerrogativa. E, se não a usasse, corria o risco de desmoralização — tanto para si quanto para o Congresso. Como presidente da instituição, que teve seguranças feridos e em estado grave, Aldo Rebelo exerceu o papel que lhe cabe.

Não foi bonito, também, o espetáculo no plenário. Deputados que tentam politizar as coisas numa hora dessas, botando a culpa em fulanos e beltranos e em partidos políticos, acabam por enfraquecer a instituição. O MLST cometeu um tremendo erro e já deve estar consciente disso. Seu líder, o petista Bruno Maranhão, deve responder pelos atos de vandalismo. E, como dirigente do PT, deve ser punido pelo partido. Mas querer inferir daí que a culpa é do PT e do Lula é um certo exagero. O MLST, um movimento radicalíssimo, não estava ali tratando de mensalão. Queria era chamar atenção para suas reivindicações, entre elas a aprovação da PEC do Trabalho Escravo, e o fez da forma mais errada e desastrada possível. Tem que pagar por isso e ser penalizado com os instrumentos do Estado de Direito.

As feras hidrófobas que queriam a entrada do Batalhão de Choque na Casa para cair matando em cima dos manifestantes também não agiram em favor da instituição. Nessa hora, todo mundo põe a lenha na fogueira. Na hora do vamos ver, quem iria responder pela morte, ou graves ferimentos, de um manifestante quando a mídia caísse em cima da "truculência" da polícia e da segurança da Câmara? Aldo Rebelo, que não é bobo e fez ouvidos moucos às sugestões radicais bradadas nos microfones do plenário.

Há muito, muito tempo mesmo, não se via uma manifestação assim no Legislativo. Descontando o vandalismo e a agressão injustificável, o clima e o odor de reivindicação popular no ar me fizeram lembrar dos tempos da Constituinte. Aquela época em que éramos cheios de esperança no futuro, acreditávamos nas boas intenções da maioria dos deputados e víamos a atividade política de uma forma muito diferente. Nostalgia. Acho que estou ficando velha…

*Helena Chagas é comentarista do jornal O Globo.
Texto extraído do blog da jornalista.