Entrevista: José Dirceu critica imprensa e mostra que está na ativa

Em entrevista à revista Imprensa, onde foi questionado sobre o papel da mídia na crise política, o ex-ministro José Dirceu fez duras acusações à manipulação política promovida pelos grandes veículos de comu

José Dirceu saiu do Planalto, mas o Planalto não saiu de Dirceu. Engana-se quem pensa que sua cassação na Câmara dos Deputados, depois de amargar dias em que o PT se viu como protagonista de uma crise política motivada pelas denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson, e sua inelegibilidade por oito anos, reduziram a política do político. Era julho, o começo da crise. Em dezembro, ele caiu.
A figura de José Dirceu – sobre quem já pesavam várias acusações, entre elas a de ser centralizador e arrogante – ganhou as manchetes como o operador do suposto mensalão. Resistiu até o último momento e foi cassado. Mesmo depois da sua cassação, continuou sendo pauta. O rei morto, nesse caso, não era o rei posto, como prega um velho ditado português. E quanto mais a mídia dele falava, menos ele falava com a mídia. Abriu algumas exceções. Falou onde suas palavras ecoariam e seu discurso ainda teria alguma credibilidade, ou seja, nos veículos mais alinhados à esquerda. Ao que chama de mídia conservadora, nenhuma palavra. Ou poucas. Esperam-nas alguns processos, já em andamento, que José Dirceu move contra as revistas Veja e Istoé Dinheiro.
O José Dirceu que encontramos, não é o ex-ministro-chefe da Casa Civil, homem forte do governo petista. Mas também não é mais, nem menos. É, ainda, um homem público. Uma liderança escutada no Partido dos Trabalhadores. E, também, um político que nutre desafetos no seu rastro. Os jornais tornam públicas as várias manifestações hostis, seja em universidades, seja nos aeroportos, que recebe de eleitores. Dirceu se queixa, com o sotaque carregado e uma calma evidente, que se altera apenas quando perguntado sobre o papel que as redações tiveram na crise política. E foi sobre isso que falou à IMPRENSA. Não tem pudores em afirmar que as redações fazem o trabalho da elite conservadora. Que querem derrubar Lula. Mas assume, também, que agiu errado com a mídia e que o governo subestimou o papel dos meios de comunicação.
Sua agenda, hoje, resume-se a retomar as atividades como advogado. Não perde as oportunidades de dizer que, se em algum momento esteve em missão do PT ou do governo, hoje está em função de seus clientes. E de sustentar um discurso em defesa do governo Lula, do PT e de si mesmo. Tem lido alguns livros para aprender com a história. Procura nas biografias o que lhe explique algo que viu de tão perto: o poder. Leu a vida de Lott. Os diários de Getúlio Vargas. A biografia de Jango. Conforma-se com um dado histórico: "A mídia toda pediu o golpe de 64".
Golpe, aliás, que lhe deu visibilidade política, como militante de esquerda e liderança estudantil. E agora, nos dias em que o homem forte dá lugar novamente a um militante, com discurso engajado e alguma indignação, o que lhe resta é ele mesmo e quem o apóia no partido. E quanto a ele mesmo, no dia da entrevista, queixava-se de uma virose que o fez passar mal durante um final de semana. Nem a imprensa, nem os micróbios, pouparam José Dirceu.

Confira abaixo alguns trechos da entrevista feita pelos jornalistas Pedro Venceslau e Rodrigo Manzano

Qual foi o maior erro seu e do governo em relação à imprensa?
José Dirceu – Um dos grandes erros que nós cometemos foi subestimar o papel da mídia conservadora no governo Lula e no processo político brasileiro. A mídia sempre tomou partido.

Em nome de quem essa mídia conservadora está discursando?
Dirceu – A mídia discursa em nome da volta dos tucanos para o governo, em nome da aliança PFL-PSDB. Ela é anti-PT. Tomou partido dentro do governo e das disputas internas partidárias. Quando o PT era um partido que não fazia aliança, era criticado pela imprensa por isso. Depois, quando começou a construir um programa mínimo, construíram a imagem que o partido se descaracterizou, que ficou igual ao PSDB. Agora, durante esse processo todo, a mídia apoiou as facções dentro do PT que aceitavam a leitura da direita sobre a crise. Se você olhar o noticiário, vai perceber: todo mundo que se opôs a mim, que queria me tirar da chapa do campo majoritário (na eleição interna do PT), que queria me expulsar, foi apoiado pela imprensa. Diziam que era eu que estava derrotando o Tarso Genro, que eu estava articulando, sendo que eu estava afastado. Se você olhar como se comportou o jornal O Globo dentro da luta interna…eles tomaram partido. Basta observar como a mídia promoveu o PSOL…

Quando você fala em mídia está se referindo exatamente a quem? Eles agem em bloco?
Dirceu – Em alguns momentos eles se articulam e estabelecem uma agenda e uma pauta comum. Se você lesse, durante a crise, os quatro grandes jornais do país, via que eles tinham o mesmo conteúdo. Só que eles não assumem suas posições abertamente, em editorial…

Nem a Veja?
Dirceu – A Veja, em petit comité, assume que apoiou o Serra em 2002. Eles fizeram campanha. Às vezes, fazendo bravata, eles assumem isso. A mídia de São Paulo, em geral, elegeu o Serra prefeito antes da eleição. Ele nem precisou fazer campanha. Eles desconstruíram o governo da Marta, que foi o melhor que a cidade já teve. A mídia, inclusive a Folha de S.Paulo, que é serrista, desmontou a gestão Marta.

O maior inimigo do governo nas bancas é a Veja?
Dirceu – A Veja está desmoralizada, apesar de ter criado um eleitorado próprio, uma base social, que é de direita. A Abril associou-se à Nasper (grupo empresarial sul-africano), que é a direita dos neoconservadores. A notícia, hoje, em geral, aparece totalmente editorializada. Veja o "Bom Dia Brasil", por exemplo. Podia chamar "Nossa Opinião Brasil". Eles dão opinião o tempo todo. Não tem notícia. Não ouvem o outro lado. Fica lá o Renato Machado, dando opinião…Me assusta essa tendência de haver só um lado de opinião nos jornais.

E o Diogo Mainardi…
Dirceu – Ele é o pistoleiro da Veja. Geralmente, os donos dos meios de comunicação contratam pistoleiros para matar a honra das pessoas. E pagam bem para isso. Aquilo que o manual de redação proíbe, é feito pelo pistoleiro ou por um "Painel" de notinhas. Diogo Mainardi não tem credibilidade nenhuma.

Como você avalia a saída do Franklin Martins da Globo?
Dirceu – Fiquei estarrecido. Não sei exatamente o que aconteceu, mas ele tinha uma opinião divergente, ou pelo menos plural. Isso pode significar uma tendência de um certo macartismo na imprensa. As notícias que nós temos é que houve muita pressão nas reações contra os jornalistas que não estavam na corrente geral para derrubar o PT e o governo Lula.

Você mantém alguma estrutura fixa de comunicação para responder a todas as reportagens?
Dirceu – Eu tive, até janeiro, uma assessoria de imprensa. Leio todo dia cedo uns quatro clippings de jornais. Também dou uma olhada na Internet de manhã. Agora, estou contratando uma empresa de assessoria de imprensa. Parei de dar entrevistas…

A demanda ainda é muito alta?
Dirceu – Tenho uma demanda represada de praticamente todos os jornais e revistas. Mas parei de dar entrevistas. A minha principal meta é a reeleição do Lula.

Quantos processos vocês está movendo contra a imprensa?
Dirceu – Contra o irmão do Celso Daniel e outro contra a Veja.

E contra a IstoÉ Dinheiro, que fez aquela matéria sobre a moto Harley Davidson que você teria comprado?
Dirceu – Vou processar também. Eles procuraram meus advogados oferecendo um acordo, de fazer uma entrevista onde ficaria claro que a matéria não correspondia aos fatos. Mas não vou fazer acordo. Vou processar a revista e o jornalista. Não dá mais…Essa matéria, por exemplo, das contas no exterior, feita pela Veja. É uma matéria covarde, que faz um habeas corpus preventivo. Ela mesma diz, a mando dos advogados, para escapar de um processo, que a matéria não é verdadeira. A imprensa em geral desceu um nível do tempo que a imprensa apoiava a OBAN e o DOI-CODI.

A mídia ainda tem um certo fetiche com você…
Dirceu – Tem essa história que a Folha divulgou, de que eu fui vaiado no aeroporto. Eles demoraram 10 dias para publicar minha carta. O "Painel" da Folha afirmou que eu pedi para ir para a sala VIP da Varig, como se eu estivesse me escondendo. Em primeiro lugar, eu tenho direito à sala VIP, porque sou cliente diamante. Em segundo lugar, nunca viajei para o México pela Varig. Em terceiro, nunca fui vaiado. No caso do Genoíno, publicaram que ele foi vaiado no restaurante Famiglia Mancini. Só que ele não vai lá há anos. Eles não estão publicando notícia, estão mobilizando a base social deles para nos vaiar e nos hostilizar nos locais públicos, como se estivéssemos sendo condenados pela sociedade. É evidente que tem uma parcela que me condena. Tenho consciência da imagem negativa que tenho junto a uma parte importante da sociedade. Mas tem muita gente que me apóia. A oposição que existe a mim é maior do que a que existe ao Lula e ao governo, até pelo papel que eu joguei. É uma acusação improcedente, mas foi feita. Ninguém sabe dizer porque fui cassado. Enfim, o fato é que nunca fui hostilizado em local público.

E aquela palestra na PUC?
Dirceu – Isso é natural. Qualquer político do PT que for lá defender o Lula vai ser hostilizado. A maioria do pessoal era tucano ou do PSOL e PSTU. Eles começaram com "vai tomar no cu"…Isso foi mais o pessoal do PSOL. Começaram a jogar papel. É uma disputa política. Parte da mídia mobiliza sua base social contra nós.

Quais os veículos estão mais engajados nesta mobilização?
Dirceu – Os mais engajados são o Estadão, a Veja e O Globo, que trabalhou abertamente para me depor e, depois, pela minha cassação. A Folha vai e vem. Os processos contra mim são kafkianos.

Jornalistas de Brasília costumam dizer que você, quando era ministro, era muito arrogante com os jornalistas.
Dirceu – Minha relação com a imprensa era pautada pelo meu cargo e por minhas relações com o presidente. Isso limitava meu off , por exemplo. Não falei em off e paguei caro por isso. Em on, eu falava. Só que a imprensa está viciada na troca de informação, na intriga e na disputa interna. Eu nunca fiz isso. Errei porque devia ter construído uma relação de passar mais informações para a imprensa sobre os assuntos que estavam na Casa Civil. Eu devia ter organizado de outra maneira minha assessoria. Mas mesmo que tivesse organizado…Hoje existe um comportamento muito vil em alguns setores da imprensa. Se você não dá off, eles começam a falar mal, a te atacar. Se você se recusa a uma entrevista, vem represália. Começam a aparecer charges, te dão apelido, fazem notinha.

A entrevista completa pode ser conferida na edição 213 da revista Imprensa, à venda nas bancas.